5 de março de 2013

ENCARANDO O MAL

|5 DE MARÇO|

NO MOMENTO em que uma pessoa sente culpa de verdade - momentos raros em nossas vidas -, todas as blasfêmias acabam desaparecendo. Achamos que muitas das falhas humanas podem ser desculpadas - menos isso: O ato vil e feio que nenhum dos nossos amigos jamais teria cometido, que até mesmo o desregrado do fulano teria vergonha de ter cometido, e que nós jamais teríamos deixado ir a público.
Nessas horas adquirimos a certeza de que o nosso caráter, como revelado nesse ato, é, e deve ser, detestável para todas as pessoas boas, e se houver algum poder acima do homem, para ele também. Um Deus que não se refira a isso com desgosto implacável não poderia ser bom. Não deveríamos sequer desejar um Deus assim - seria como desejar que todos os aromas do universo fossem abolidos, que o cheiro do capim, das rosas, ou do mar jamais voltassem a ser prazerosos a qualquer criatura, só porque nossa própria respiração é que cheira mal.
Quando simplesmente dizemos que temos alguma maldade em nós, a "ira" de Deus nos parece uma doutrina bárbara; mas quando percebemos a nossa maldade, sua ira nos parece algo inevitável, uma consequência da bondade de Deus. Se quisermos manter sempre diante de nós a percepção que obtemos de um momento como o acima descrito, e aprender a detectar a corrupção realmente indesculpável, sob disfarces cada vez mais complexos, não poderemos abrir mão de uma compreensão verdadeira  da fé cristã. Não se trata, é claro, de uma nova doutrina. Não estou apresentando nada de muito brilhante aqui. Estou apenas tentando fazer com que meu leitor (e, mais ainda, eu mesmo) atravesse um pons asinorum [ponte de acesso] - para dar o primeiro passo para fora do paraíso dos loucos e das ilusões absolutas.

[C. S. Lewis]
- de The Problem Of Pain [O Problema do Sofrimento]

Nenhum comentário: