30 de junho de 2013

MAIS RATOS AINDA

|30 DE JUNHO|

APARENTEMENTE, os ratos do ressentimento e da vingança estão sempre ali no porão da minha alma. Porém, esse porão está fora do alcance da minha vontade consciente. Posso controlar os meus atos até certo ponto, mas não tenho controle direto sobre o meu temperamento. E se (como eu disse anteriormente) o que somos importam muito mais do que fazemos - se, de fato, o que fazemos funciona principalmente como uma evidência do que os meus próprios esforços diretos e voluntários não são capazes de fazer, E isso também se aplica às minhas boas ações. Quantas delas foram realizadas pelo motivo certo? Quantas foram por medo da opinião pública ou pelo desejo de se mostrar? Quantas foram por algum tipo de obstinação ou senso de superioridade que, em outras circunstâncias, poderiam igualmente ter levado a algum ato maligno? O fato é que eu não posso, por nenhum esforço moral, fornecer novos motivos a mim mesmo. Depois dos primeiros passos da vida cristã, acabamos percebendo que tudo o que realmente precisa ser feito nas nossas almas só pode mesmo ser realizado por Deus.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

29 de junho de 2013

RATOS NO PORÃO

|29 DE JUNHO|

COMEÇAMOS então a perceber a nossa própria pecaminosidade, além dos atos pecaminosos em particular. Começamos a ficar alarmados não apenas com o que fazemos, mas com o que somos. Como isso pode parecer muito difícil de entender, vou tentar esclarecer o meu próprio caso. Quando faço as minhas orações à noite e tento lembrar dos pecados do dia, em noventa por centro das vezes, o mais evidente de todos os pecados acaba sendo o da falta de misericórdia: fui mal-humorado ou rabugento, ou sarcástico ou implicante. E a desculpa que imediatamente aparece é que a provocação foi tão repentina e inesperada que não tive tempo de me dominar. Ora, essa pode ter sido uma circunstância extrema, relacionada com aqueles atos em particular: eles obviamente seriam piores, se tivessem sido deliberados e premeditados. Por outro lado, a reação de uma pessoa quando é pega de surpresa não é a melhor evidência do tipo de pessoa que ela é? Será verdade o que aparece diante dos olhos antes de se colocar um disfarce? Se há ratos no porão, é mais provável você os apanhar se entrar de repente. Porém, o repente não cria os ratos; apenas impede que se escondam. Da mesma forma, o fato de a provocação ter sido repentina não me torna uma pessoa mal-humorada; ela apenas mostra meu próprio mau-humor. Os ratos sempre estarão no porão, mas se você entrar gritando e fazendo barulho, eles acabarão se escondendo antes de você acender as luzes.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

28 de junho de 2013

À MEDIDA QUE NOS TORNAMOS COMO CRISTO

|28 DE JUNHO|

AGORA começamos a compreender o que o Novo Testamento está sempre falando. Ele fala que os cristãos "nascem de novo"; que eles "se revestem de Cristo". E fala sobre Cristo "sendo formado em nós"; sobre chegarmos a ter a "mente de Cristo".
Tire de vez da sua cabeça a ideia de que essas expressões não passam de um modo extravagante de dizer que os cristãos devem ler o que Cristo disse e tentar colocar em prática. É muito mais do que isso. O que essas expressões estão dizendo é que uma pessoa real, Cristo, aqui e agora, naquele mesmo quarto em que você  estava orando, realiza coisas em você. Não se trata apenas de um homem bom que morrer há dois mil anos. Trata-se de um homem vivo, tão homem quanto você e, ao mesmo tempo, tão Deus quanto era quando criou o mundo - que vem de verdade e interfere no mais íntimo do seu ser. Ele mata seu velho eu natural e substitui pelo tipo de eu que ele é. No começo, dura apenas alguns instantes. Mais tarde, embarca períodos maiores. Finalmente, se tudo for bem, acaba transformando-o permanentemente num ser totalmente diferente: num novo pequeno Cristo, um ser que, a seu modo, tem o mesmo tipo de vida que Deus, e que compartilha do seu poder, da sua alegria, do seu conhecimento e da sua eternidade.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

27 de junho de 2013

MÚSICA DO DIA [27.06.2013]

Oficina G3 - Descanso

QUANDO A SIMULAÇÃO SE TORNA REALIDADE

|27 DE JUNHO|

VÊ O QUE está acontecendo? O próprio Cristo, o Filho de Deus que é homem (assim como você), e Deus (assim como seu Pai), está realmente ao seu lado e, nesse momento, está começando a transformar em realidade todo o seu comportamento simulado. Isso não é meramente uma forma extravagante de dizer que à sua consciência, obterá um resultado; se lembrar que está vestido de Cristo, chegará a um resultado diferente. Há muitas coisas que a sua consciência pode não chamar de totalmente erradas (particularmente as coisas da sua mente), mas que imediatamente você compreende que não podem ser mais aceitas, se você estiver seriamente se dispondo a ser como Cristo. Porque você não está mais simplesmente pensando sobre o certo e o errado; está tentando pregar o "bom contágio" de uma Pessoa. Trata-se mais de como pintar um retrato do que de seguir um conjunto de regras. E o estranho é que, embora em certo sentido isso pareça muito mais difícil do que seguir regras, de certa forma é muito mais fácil.
Quem está ao seu lado é o Filho de Deus. Ele está começando a transformar você naquilo que ele mesmo é. Ele está começando, por assim dizer, a "injetar" a vida e o pensamento dele, o seu Zoe, dentro de você; começando a transformar os soldadinhos de chumbo em pessoas vivas. A parte de você que não gosta disso é a parte que ainda é de chumbo.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

26 de junho de 2013

SIMULANDO UM POUCO MENOS

|26 DE JUNHO|

MUITAS vezes a única forma de se adquirir uma virtude é comportar-se como se já a tivesse conquistado. Eis porque as brincadeiras das crianças são tão importantes. Elas estão sempre fazendo de conta que são adultas - brincando de soldado, de ir ao supermercado, etc. Mas o tempo todo elas estão desenvolvendo seus músculos e aguçando suas habilidades, de modo que essa imitação dos adultos as ajudam a crescer e se tornarem adultos de fato.
Agora, no momento em que você percebe que "aqui estou, vestido-me de Cristo", é muito provável que você seja capaz de imediatamente reconhecer algum meio de fazer com que a sua atitude se torne menos simulada e mais real. Você se lembrará de ter feitos várias coisas que não faria se você fosse, de fato, um filho de Deus. Bem, então pare de fazê-las. E quem sabe você se lembre de que, em vez de estar em seu quarto orando, deveria estar em outro lugar, escrevendo uma carta, ou ajudando sua esposa a lavar a louça. Bem, nesse caso, vá e faça isso.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

25 de junho de 2013

VAMOS SIMULAR

|25 DE JUNHO|

E O QUE FAZER agora? Que diferença faz toda essa teologia? Ela pode começar a fazer diferença hoje mesmo. Se você estivesse interessado a ponto de chegar até aqui, então provavelmente também está interessado em tentar orar; e no meio das suas orações certamente você vai incluir a oração do Pai-Nosso.
Começa com o Pai Nosso. Será que você consegue compreender o que essas palavras significam? Elas querem dizer francamente que você está se colocando no lugar de um filho de Deus. Para me expressar de forma mais clara e direta, você está se vestindo de Cristo. Ou, se quiser, está simulando, porque é claro que, a partir do momento em que você se dá conta do que essas palavras significam, notará logo que não é filho de Deus. Você não é um ser como o filho de Deus, cuja vontade e interesses são um com os do Pai. Você não passa de um monte de medos, esperanças, ganâncias, invejas e vaidades auto centradas, tudo conduzindo à morte. De modo que, de certa forma, esse vestir-se de Cristo é um ato um tanto pretensioso. Contudo, por mais estranho que pareça, foi ele mesmo que nos mandou proceder assim.
Por quê? Qual a vantagem de fingirmos ser o que não somos? Bem, mesmo no nível humano, há duas formas de simulação. Há o tipo errado, em que a pretensão toma o lugar da coisa real, como uma pessoa que finge que vai ajudar, mas na verdade não ajuda nada. Porém existe também a forma boa, em que a pretensão leva à coisa real: quando você não está se sentindo particularmente amigável, mas sabe que tem de ser, a melhor coisa a fazer, muitas vezes, é simular m comportamento cordial e comportar-se como se fosse mais amigável do que realmente é. E em alguns minutos, todos nós notaremos: você realmente estará se sentindo bem mais amigável do que antes.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

24 de junho de 2013

O MAIS DIFÍCIL É O MAIS FÁCIL

|24 DE JUNHO|

PERGUNTE aos professores se não é verdade que o aluno mais preguiçoso da classe é o que acaba trabalhando mais no final. O que eles querem dizer é isso: se você propuser a dois alunos, por exemplo, um problema de geometria, o que está preparado para assumir o problema, tentará entendê-lo. O garoto preguiçoso tentará decorá-lo, porque isso exige menos esforço naquele momento. Porém, seis meses depois, quando eles estiverem se preparando para as provas, o preguiçoso gastará horas e horas tentando entender o que o outro aluno já havia entendido. No final das contas, a preguiça significa mais trabalho. Ou então, olhe as coisas por esse lado: na batalha ou na escalada de uma montanha, geralmente há um movimento que exige muita coragem para ser realizado; mas, a longo prazo, é também a coisa mais segura a ser feita. Se você for covarde, acabará se encontrando, algumas horas mais tarde, em perigo ainda maior. A opção pela covardia é também a mais perigosa.
É o que está acontecendo aqui. A coisa mais temível, quase impossível de se fazer, é entregar todo o seu eu, todos os seus desejos e precauções, a Cristo. Porém, é bem mais fácil do que o que estamos tentando fazer em vez disso. O que estamos tentando fazer é permanecer no que chamamos de "nós mesmos", mantendo a felicidade pessoal como o nosso grande objetivo na vida, e ainda assim, ao mesmo tempo, ser "bons". Estamos todos tentando deixar a nossa mente e o nosso coração andarem pelos seus próprios caminhos - centrados no dinheiro, no prazer ou na ambição - e esperando, apesar disso, comportar-nos de forma honesta, pura e humilde. E é exatamente isso o que Cristo nos disse que não podemos fazer. Como ele mesmo disse, um cardo não pode produzir figos. Se eu sou um campo que não contém nada, a não ser sementes de grama, não posso esperar produzir trigo. Cortar a grama pode até mantê-la baixa, mas eu continuarei produzindo grama, e não trigo. Se eu quero produzir trigo, a mudança deve ser mais profunda. Devo ser arrancado e replantado.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

23 de junho de 2013

MUITO FÁCIL OU DIFÍCIL DEMAIS?

|23 DE JUNHO|

REFLETIMOS sobre a ideia cristã de "revestir-se de Cristo", ou, antes, de "se vestir" como filho de Deus com o intuito de, no final, tornar-se um verdadeiro filho de Deus. O que gostaria de deixar claro é que esse não é somente um entre muitos trabalhos que um cristão tem a fazer; e não se trata de um tipo de exercício especial para uma classe superior. Isso é o cristianismo autêntico. O cristianismo não oferece mais nada além disso.
O caminho cristão é diferente: é mais difícil e, ao mesmo tempo, mais fácil. Cristo diz: "Entregue-me tudo. Não quero um pouco do seu tempo, um pouco do seu dinheiro e um pouco do seu trabalho; eu quero você. Não vim para atormentar o seu "eu" natural, mas para matá-lo. Meias medidas são inúteis. Não quero podar um ramo aqui e outro ali, quero é derrubar a árvore toda. Não quero drenar o dente, colocar uma coroa nele, ou obturá-lo; eu quer é arrancá-lo. Entregue todo o eu natural,  todos os desejos que você considera inocentes, bem como aqueles que você considera maus - todo o aparato. Eu lhe darei em troca um novo eu. Na verdade, o que eu lhe darei é a mim mesmo; minha própria vontade se tornará a sua".
Isso é ao mesmo tempo mais difícil e mais fácil do que o que todos nós tentamos fazer. Espero que você tenha percebido que Cristo muitas vezes descreve o caminho cristão como algo muito difícil, e outras vezes como algo bem mais fácil. Ele diz: "Tome a sua cruz" - em outras palavras, é como ser surrado até a morte num campo de concentração. No minuto seguinte ele diz: "Meu jugo é suave e eu fardo é leve". E ele está querendo dizer as duas coisas.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

22 de junho de 2013

DEUS NAS NOSSAS ORAÇÕES

|22 DE JUNHO|

UM CRISTÃO comum ajoelha-se para fazer suas orações. Com isso, ele tenta entrar em contato com Deus. Mas, se ele é um cristão, terá consciência de que o que o leva à oração é Deus: o Deus que está, por assim dizer, dentro dele. Porém, ele também sabe que todo o seu conhecimento real de Deus vem por meio de Cristo (o homem que era Deus) e que Cristo está do seu lado ajudando-o a orar e orando por ele. Você percebe o que está acontecendo? Deus é o objeto para o qual ele está orando; o alvo que ele está tentando atingir. Deus é, ao mesmo tempo, o que está dentro do cristão e o que o está impelindo para frente; ele é o poder motivador de sua ação. Deus também é a estrada ou a ponte sobre a qual ele está sendo impulsionado rumo ao alvo, de modo que a tríplice vida do Ser tripessoal está atuando naquele quartinho simples em que uma pessoa comum está fazendo suas orações. Essa pessoa está sendo levada para as formas mais altas da vida - para o que eu chamei de Zoe, ou vida espiritual. Ela está sendo puxada para Deus, por Deus, ao mesmo tempo em que continua sendo ela mesma.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

21 de junho de 2013

RUMORES SELVAGENS

|21 DE JUNHO|

O QUE o homem não possui, em sua condição natural, é a vida espiritual - a espécie mais elevada de vida existente em Deus. Nós usamos a palavra vida para ambas. Porém, pensar que são a mesma coisa seria como achar que a "grandeza" do espaço fosse igual a "grandeza" de Deus. Na realidade, a diferença entre a vida biológica e a espiritual é tão importante que eu lhes darei dois nomes distintos. A vida biológica que recebemos pela natureza, e que (como todas as coisas na natureza) está sempre tendendo à decadência, de modo que só pode ser preservada por meio de subsídios constantes da própria natureza na forma de ar, água, comida, etc., eu chamo de Bios. A vida espiritual que se encontra em Deus desde toda a eternidade, e que fez todo o universo natural, dou o nome de Zoe - o mesmo tipo de semelhança que já entre uma foto e um lugar, ou entre uma estátua e uma pessoa. Uma pessoa que tenha passado de Bios para Zoe passou por uma mudança tão grande quanto uma estátua que tivesse deixado de ser pedra esculpida para se tornar um ser uma real.
E isso é precisamente o que é o cristianismo. Este mundo é o ateliê de um grande escultor. Nós somos as estátuas e há rumores no ateliê de que alguns de nós, um dia, vamos receber vida.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

20 de junho de 2013

"TUDISMO"

|20 DE JUNHO|

COM o termo "tudismo" quero conceituar a crença de que "tudo", ou o "conjunto", deve subsistir por si só; deve ser mais importante do que cada coisa em particular, deve conter todas as coisas particulares de tal forma que não possam ser realmente muito diferentes uma das outras - para que elas não sejam simplesmente "em uma", mas uma. Dessa forma, o "tudista", se parte de Deus, se torna um panteísta: para o qual não há nada nesse mundo que não seja de Deus. Por outro lado, se partir da natureza, se torna um naturalista: para quem não existe nada nesse mundo além da natureza. Ele pensa que tudo é, ao longo do processo, "meramente" um precursor, um desenvolvimento, uma relíquia, um exemplo ou um disfarce de alguma outra coisa.
Acredito que essa filosofia seja profundamente falsa. Um dos pensadores modernos disse certa vez que a realidade é "incorrigivelmente plural". Acredito que ele esteja certo. Todas as coisas vem de um só. Tudo está relacionado - ainda que de maneiras diferentes e complicadas. Mas todas as coisas não são uma.
A palavra "tudo" deveria significar simplesmente o total (um total a ser alcançado, se soubéssemos o suficiente, por enumeração) de todas as coisas que existem em um dado momento. Ela não deve receber uma inicial maiúscula em nossa mente; não deve (sob a influência do pensamento imaginário) ser transformada em um tipo de poço na qual as coisas particulares afundam ou mesmo em um bolo no qual elas são as cerejas. Coisas reais são mais delicadas, profundas, complicadas e diferentes. O "tudismo" é congenial à nossa mente porque é a filosofia natural de uma era totalitarista, dominante e produtora de massas. É por esta razão que devemos estar sempre alertas contra isso.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

19 de junho de 2013

DISCERNINDO O QUE É REAL

|19 DE JUNHO|

Screwtape distorce a realidade

A REGRA geral que nós estabelecemos entre eles é que, em todas as experiências que possa fazê-los mais felizes ou melhores, somente os fatos físicos são "reais", enquanto que os elementos espirituais são considerados "subjetivos". Em todas as experiências capazes de desencorajá-los ou corrompê-los, os elementos espirituais são a realidade principal; portanto, ignorá-los significaria um escapismo.
No caso do parto, todo o sangue e toda a dor são "reais", enquanto a alegria é um ponto de vista subjetivo; na morte, o terror e a feiúra revelam o que a morte "realmente significa". A odiosidade de uma pessoa odiada é "real" - no ódio você vê as pessoas como elas são, e você está desiludido. Porém, a amabilidade de uma pessoa amada não passa de um estado subjetivo de confusão, que esconde um apetite sexual "real" ou algum interesse econômico. Guerras e pobreza são "realmente" horríveis; enquanto a paz e a abundância não passam de fatos físicos sobre os quais as pessoas costumam ter certos sentimentos. As criaturas estão sempre acusando umas às outras de querer ter todos os privilégios ao mesmo tempo; mas graças aos nosso esforços, elas são muito mais propensas a pagarem por eles e não os terem. Se tratarmos o seu paciente de forma adequada, ele não terá dificuldade em considerar sua emoção diante da exposição da essência humana como uma manifestação de realidade, e sua emoção diante de crianças felizes ou de um dia ensolarado como um mero sentimentalismo barato.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

18 de junho de 2013

O MUNDO COMO ELE É

|18 DE JUNHO|

Screwtape, sobre a arte de usar um falso conceito de "real"
Sempre vale lembrar que Screwtape é um demônio. Ele dá instruções a seu aprendiz através de cartas. Essa é uma delas.

PROVAVELMENTE as cenas que ele está vendo agora [em uma visita de Londres] não nos trarão material suficiente para um ataque intelectual contra a sua fé - as falhas que você cometeu anteriormente tiraram isso do seu domínio.
Porém, há uma espécie de ataque contra as emoções que ainda pode ser usado. O negócio é tentar fazer com que ele sinta, quando vir pela primeira vez uma pessoa bêbada em um muro, que é "isso que o mundo realmente é" e que toda a sua religião tem sido uma fantasia. Você notará que conseguimos deixá-los completamente confusos quanto ao sentido da palavra "real". Digamos que alguns indivíduos compartilhem sobre alguma grande experiência espiritual e alguém diga: "O que realmente aconteceu foi que você ouviu um pouco de música em um ambiente iluminado". Aqui a palavra "real" significa os meros fatos físicos, separados dos outros elementos da experiência que eles vivenciam. Por outro lado, eles também dirão: "É muito fácil discutir essa experiência profunda enquanto se está assentado nessa poltrona, mas espere até ir lá e ver como a coisa acontece na realidade". Aqui estamos usado "realidade" não no sentido dos fatos físicos (que eles já conhecem ao discutir o assunto sentados em suas poltrona), mas como o efeito emocional que esses fatos terão sobre a consciência humana. Qualquer uma das duas aplicações da palavra "real" é defensável, porém a nossa tarefa é manter as duas em vigor para que o valor emocional da palavra "real" possa ser posto ora de um lado da balança, ora de outro - conforme nos seja mais benéfico.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas dos Diabo a seu Aprendiz] 

17 de junho de 2013

NO LIMIAR DA FÉ

|17 DE JUNHO|


ENTRETANTO... entretanto... É nesse entretanto que eu temo mais do que qualquer argumento convincente contrário aos milagres: o retorno sereno e contínuo do seu olhar habitual ao fechar o livro, as quatro paredes familiares ao seu redor e os ruídos atuais da rua se acomodam de novo. Quem sabe (se eu puder ousar tanto) você tenha divagado algumas vezes enquanto lia, sentido antigas esperanças e medos em seu coração; quem sabe tenha até chegado ao limiar a fé - mas, e agora? Não, isso simplesmente não daria certo. O mundo comum, real, está ao seu redor novamente. O sonho acabou da mesma forma que todos os sonhos similares sempre chegam ao fim. É claro que não é a primeira vez em que algo desse tipo aconteceu. Você já ouviu histórias esquisitas, já leu algum livro estranho, viu algo anormal ou imaginou que viu, alimentou alguma esperança ou terror selvagem, mas tudo sempre terminou do mesmo jeito. E você sempre se perguntou como é que pode achar, por um só momento, que não fosse assim, pois o "mundo real" ao qual você volta é irrefutável. É claro que aquela história estranha era falsa, que aquela voz era subjetiva, que o aparente presságio não passava de uma coincidência. Você sente vergonha por apenas ter cogitado outra coisa - se sente envergonhado, aliviado, entretido, desapontado e irado, tudo ao mesmo tempo. Você queria já saber, como diz Arnold, que: "Milagres não acontecem".

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

16 de junho de 2013

TENHA CUIDADO COM O QUE VOCÊ ACHA QUE QUER

|16 DE JUNHO|

VOCÊ provavelmente está bastante certo em pensar que jamais verá um milagre acontecer. Você provavelmente também estará certo em pensar que devia haver uma explicação natural para qualquer coisa em sua vida pregressa que aprecia, à primeira vista, ter sido "singular" ou "estranha". Deus não joga milagres sobre a natureza de forma aleatória, como se usasse um saleiro ou frasco de pimenta. Eles surgem em ocasiões especiais; são encontrados nos grandes acontecimentos da história - não da história política ou social, mas da espiritual, que não pode ser totalmente conhecida pelos homens. Se a sua própria história não estiver perto de um desses acontecimentos, como você espera ver algum milagre? Se fossemos missionários, apóstolos ou mártires heroicos, a questão seria outra.
Mas, por que você ou eu? Se você não mora perto de um trilho, será difícil ver trens passando pela sua janela. Qual a probabilidade de eu ou você estarmos presentes no momento em que um tratado de paz é assinado, ou no momento da concepção de uma grande invenção, ou quando um grande ditador comete suicídio? Ver um milagre acontecendo é menos provável ainda. E quando entendemos isso, também não devemos mais estar ansiosos por vê-lo. "Quase ninguém vê o milagre, a não ser a miséria". Milagres e martírios tendem a convergir nos mesmos momentos da história - momentos esses que não temos o desejo natural de presenciar. Não exija, eu o previno honestamente, uma prova ocular, a menos que você já esteja perfeitamente certo de que isso não acontecerá.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

15 de junho de 2013

O QUE PENSAR DOS MILAGRES DE JESUS

|15 DE JUNHO|

EU AFIRMO que, em todos esses milagres [de Jesus], o Deus encarnado realiza repentina e especificamente algo que ele já fez ou fará de maneira genérica. Cada milagre escreve para nós em letras miúdas algo que Deus já escreveu, ou irá escrever, em letras quase grandes demais para serem notadas pela tela da natureza. Os milagres focam em um ponto particular da ação atual ou futura de Deus no universo. Quando eles reproduzem coisas já vistas antes em grande escala, são chamados de milagres da velha criação; quando eles focam o que ainda está por vir, são milagres da nova. Nenhum deles está isolado ou é anômalo. Cada um carrega a assinatura do Deus que nós conhecemos pela nossa consciência e pela natureza. A sua autenticidade é atestada pelo seu estilo.
Antes de avançar, devo dizer que não tenho a intenção de levantar a questão já discutida há pouco: se Cristo estava em condições de fazer essas coisas somente porque ele era Deus ou também porque era perfeitamente homem, pois existe a possibilidade de que o homem pudesse agir com o mesmo poder, caso não tivesse caído. Uma das glórias do cristianismo é que podemos afirmar, com relação a esta questão, que "isso não importa". Não importa que tipo de poder o homem não caído possa ter tido; parece que o poder dos homens redimidos será praticamente ilimitado. Cristo, quando subiu aos céus, fez subir toda a natureza humana junto com ele. Onde quer que ele vá, ela irá junto e será feita "igual a ele". Se, em seus milagres, Cristo não estiver agindo como o velho homem agia antes da queda, então está agindo como o novo homem; todo novo homem, agirá depois da sua redenção. Quando a humanidade que ele leva nos ombros passar com ele das águas geladas e escuras para as águas azuis e quentes, e finalmente para fora, em direção à luz do sol e ao ar puro, ela também se tornará luminosa e colorida.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

MÚSICA DO DIA [15.06.2013]

14 de junho de 2013

ENCAIXANDO-SE NO ESQUEMA

|14 DE JUNHO|

É IMPRECISA a definição de milagre como algo que quebra as leis da natureza. Ele não o faz. Sempre que esvazio o meu cachimbo, acabo alterando a posição de vários átomos - a longo prazo, e num grau infinitesimal, de todos os que existem. A natureza digere ou assimila esses eventos com perfeita facilidade e os harmoniza, num piscar de olhos, com todos os outros eventos. Trata-se de mais um pouco de matéria-prima sobre as quais aplicar as leis - e elas se aplicam. Eu simplesmente lancei um fenômeno na corrente geral de fenômenos e ele se familiarizou e se conformou a todos os demais.
Quando Deus extermina, cria ou desvia uma unidade da matéria, ele acaba criando uma nova situação a partir daquele ponto. Toda a natureza imediatamente domina essa nova situação, fazendo a unidade da matéria acomodar-se, adaptando todos os demais eventos a isso. Ela se conforma a todas as leis. Se Deus cria um espermatozoide miraculoso no corpo de uma virgem, isso não significa que alguma lei foi quebrada. As leis imediatamente se encarregam do assunto. A natureza está pronta. A consequência é a gravidez, que segue todas as leis normais e, nove meses depois, nasce uma criança. É possível observar diariamente que a natureza física não está nem um pouco incomodada com o fluxo diário de eventos de natureza biológica ou psicológica. Mesmo se todos os eventos que transcendem a natureza ocorressem juntos, ela não se incomodaria. Tenha certeza de que ela se precipitaria ao ponto em que foi invadida, da mesma forma que o sistema de defesa se apressa em socorrer um dedo ferido e, tendo chegado ali, corre para acomodar o novo habitante. No mesmo momento em que algo penetra na natureza, esse algo obedece a todas as suas leis. Um vinho milagroso embebeda, uma fertilização milagrosa resulta em gravidez, livros inspirados sofrerão todos os processos ordinários de corrupção textual, e o pão milagroso será digerido. A arte divina do milagre não é a arte de suspender o padrão ao qual os eventos costumam se conformar, mas de encaixar novos eventos a esse esquema.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

13 de junho de 2013

MAIS PRÓXIMO E MENOR

|13 DE JUNHO|

OUTRA forma de expressar o caráter real dos milagres seria dizer que, embora isolados de outras ações, não estão isolados em qualquer dos dois sentidos que costumamos supor. Por um lado, eles não estão isolados de outros atos divinos: agem em escala reduzida, fazendo aquilo que Deus outras vezes realiza em tão grande escala que os homens nem prestam atenção. Os milagres também não estão isolados, da forma como supomos, de outros atos humanos, porque antecipam poderes que todos os homens terão quando se tornarem igualmente "filhos" de Deus e entrarem para a "liberdade gloriosa". O isolamento de Cristo não é o de um prodígio, e sim, de um pioneiro. Ele é o primogênito do seu gênero; mas certamente não será o último! [Glória à Deus!]

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

12 de junho de 2013

POR QUE O CÉU É SEMPRE "LÁ EM CIMA"

|12 DE JUNHO|

NÃO é por acaso que as pessoas simples, por mais espirituais que sejam, acabam associando as ideias de Deus e do céu ao firmamento azul. Trata-se de um fato, e não de uma ficção, que a luz e o calor que dão vida descem do céu para a terra. A analogia do céu com o gerador e da terra com produtora é sólida até certo ponto. Acima de tudo, a enorme cúpula do céu é mais sensorialmente percebida como o infinito. E quando Deus fez o espaço e os mundos que se movem nele, e revestiu o nosso mundo com gases atmosféricos, e nos deu os olhos e a imaginação que temos, ele sabia muito bem o que o céu significaria para nós. E já que nada em sua obra é acidental, se ele o sabia, foi intencional. Não podemos afirmar que isso foi um dos principais propósitos para os quais a natureza foi criada; muito menos que foi uma das principais razões pelas quais foi permitido que o arrebatamento afetasse os sentidos humanos como sendo um movimento ascendente (um desaparecimento para dentro de terra produziria uma religião completamente diferente). Os antigos não estavam totalmente errados em deixar o simbolismo do céu fluir diretamente para dentro das suas mentes sem parar para descobri, por análise, que não se passava de um símbolo. De certa forma, talvez estivessem menos errados do que nós.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

11 de junho de 2013

TESTEMUNHAS OCULARES CONFIÁVEIS?

|11 DE JUNHO|

O FATO de os pastores galileus não conseguirem distinguir o que eles viram na ascensão, o tipo de ascendência que, por sua própria natureza, jamais poderia ter sido visto, não prova que eles não eram "espirituais", ou que não viram nada. Alguém que realmente acredita que o céu está no firmamento, pode muito bem ter em seu íntimo um conceito mais verdadeiro e espiritual do que qualquer lógico moderno capaz de expor tal falácia em poucas linhas. Pois todo aquele que faz a vontade do Pai conhecerá a doutrina. Os esplendores materiais irrelevantes presentes na ideia que tal pessoa faz da visão de Deus não causarão danos, pois não estão ali por si mesmos. A pureza de tais imagens em uma ideia cristã simplesmente teórica não fará bem algum se elas forem banidas apenas pelo criticismo lógico.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

10 de junho de 2013

VOCÊ ME SEGUIRIA?


Vídeo muito bem elaborado e editado.

CAMISETA CELEBRAÇÕES 2013


Só para quem vai para as Celebrações de Inverno - SP | 2013.
Arena1!

O REGISTRO DAS TESTEMUNHAS

|10 DE JUNHO|

CÉU PODE significar: a) a vida divina incondicional além de todos os mundos; b) a participação gloriosa naquela vida por meio de um espírito criado; c) toda a natureza ou sistema de condições nos quais os espíritos humanos redimidos, que ainda continuam humanos, podem desfrutar dessa participação de maneira completa e eterna (esse é o céu no qual Cristo vai "preparar" lugar); d) o céu físico, o firmamento, o espaço em que a Terra se move. O que nos habilita a distinguir esses significados e mantê-los claramente distintos não é nenhuma pureza espiritual, mas o fato de que somos herdeiros de séculos de análise lógica - não porque somos filhos de Abraão, e sim porque somos filhos de Aristóteles. Não devemos supor que os escritores do Novo Testamento tenham confundido os significados de céu. Não se pode distinguir cara e coroa quando não se conhece a moeda - ou seja, até se conhecer a diferença entre seus lados. Na concepção que os escritores tinham de véu todos esses significados estavam latentes, prontos para serem apresentado em uma análise posterior. Eles nunca se referem meramente ao céu azul ou a algum céu "espiritual". Quando eles olharam para cima, para o céu azul, eles nunca duvidaram que o lar de Deus fosse ali mesmo, uma vez que a luz, o calor e a chuva preciosa saíam dali. Porém, quando eles pensaram em alguém ascendendo a esse céu, nunca duvidaram que ele estava ascendendo para um lugar como o entendemos no seu sentido espiritual.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

9 de junho de 2013

O QUE ELES VIRAM E O QUE PENSAM QUE VIRAM?

|9 DE JUNHO|

ACHAR que a passagem de Cristo para uma nova "natureza" pudesse não envolver algum fenômeno (de ascensão), ou qualquer outro movimento fora do âmbito da "natureza" em que ele estava vivendo, é bastante arbitrário. Onde há passagem, há partida; e a partida é um fenômeno que acontece no local de onde o viajante está partindo. Tudo isso, mesmo sob a condição de que o Cristo em ascensão se encontra em um espaço tridimensional. Se não se tratar dessa espécie de corpo, e o espaço não for esse tipo de espaço, estamos ainda menos qualificados para dizer o que os observadores desse evento inteiramente novo poderiam ter ou não visto ou sentir como se tivessem visto. É claro que não há dúvida de que o corpo humano que conhecemos existe no espaço interestelar conhecido. A ascensão pertence à nova natureza. O que estamos discutindo aqui é como teria acontecido o encontro entre a velha e a nova natureza; como teria sido o momento preciso da transição.
No entanto, o que realmente nos preocupa é a convicção de que, não importa o que possamos dizer, na verdade os escritores do Novo Testamento estavam se referindo a algo totalmente diferente. Temos certeza de que eles achavam que haviam visto o seu mestre partindo para uma viagem rumo a algum "céu" local onde Deus estava assentado sobre um trono e onde havia algum outro trono esperando por ele.  Acredito que, de certa forma, foi justamente o que pensaram. E acredito que, por essa mesma razão, o que quer que eles tenha visto realmente (a percepção sensorial, provavelmente, teria ficado confusa num momento desses) os faria lembrar do mesmo como um movimento vertical. O que não podemos dizer é que eles "confundiram" os "céus" locais, as salas do trono celestiais, e o anseio pelo "céu" "espiritual"  de união com Deus e de supremo poder e bem aventurança.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

8 de junho de 2013

NÃO EXISTE GENTE COMUM

|8 DE JUNHO|

NÃO EXISTE gente comum. Você jamais conversou com um simples mortal. As nações, as culturas, as artes e as civilizações são todas mortais; a vida delas é para a nossa como a vida de um mosquito. São imortais aqueles com quem brincamos, trabalhamos, casamos, a quem exploramos e desprezamos - horrores imortais ou esplendores eternos. Isso não significa que devamos ser sempre solenes: devemos brincar. Porém, nossa descontração deve ser do tipo (e esse é, de fato, o mais cordial) que existe entre pessoas que, desde o começo, levaram umas às outras a sério - sem ofensa, sem ar de superioridade ou presunção. E a nossa caridade deve basear-se num amor real e custoso - sem essa de tolerância ou paternalismo que transforma o amor numa paródia petulante. Depois do Sagrado Sacramento o objeto mais sagrado que pode se apresentar aos seus sentidos é o próximo. Se ele for cristão, é santo quase do mesmo modo, pois nele também Cristo vere latitat; a própria glória - o glorificador e glorificado - está verdadeiramente escondido.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

7 de junho de 2013

UMA NATUREZA COMPLETAMENTE ESTRANHA

|7 DE JUNHO|

OS REGISTROS mostram Cristo passando da morte (como nenhum homem jamais passou) não para um estado pura e negativamente espiritual de existência, nem para uma vida natural, tal como conhecemos, mas para uma vida que é, em si mesma, uma nova natureza. Esses registros relatam que ele subiu aos céus seus semanas mais tarde, passando para um modo diferente de existência. Ele disse que estava indo "preparar-nos um lugar". Isso presumivelmente quer dizer que ele estava prestes a criar uma natureza completamente nova, que providenciaria o ambiente e as condições necessárias para sua humanidade glorificada e também, por meio dele, para a nossa. Essa não é bem a imagem que esperávamos encontrar - se ela é mais ou menos provável e filosófica dessa forma é outra questão. Não é a imagem de uma fuga de todo e qualquer tipo de natureza para uma vida incondicionada e transcendente. Trata-se da imagem de uma nova natureza humana e de uma nova natureza em geral, trazida à existência. Devemos acreditar que o corpo depois da ressurreição será, de fato, totalmente diferente do corpo mortal. Porém, nesse novo estado, a existência de qualquer coisa que pudesse ser descrita como algo parecido como um "corpo", envolve algum tipo de relação especial e, a longo prazo, um universo inteiramente novo. Esse é o cenário - não de destruição, mas de reconstrução. Os velhos campos do espaço, do tempo, da matéria e dos sentidos precisam ser capinados, cavados e semeados para uma espécie de nova colheita. Talvez estejamos cansados desses velhos campos; Deus não está.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

6 de junho de 2013

UMA HISTÓRIA MUITO ESTRANHA

|6 DE JUNHO|

NESSE ponto o pavor e o tremor recaem sobre nós à medida que lemos os registros. Se a história for falsa, trata-se pelo menos de uma história bem mais estranha do que estranha do que esperávamos - algo para o qual a religião "filosófica", a pesquisa psicológica e a superstição popular falharam em nos preparar. Se a história for verdadeira, então um novo estilo de vida surgiu no universo.
O corpo que vive nesse novo estilo é parecido, e ainda assim diferente, do corpo que os seus amigos conheciam antes da execução. Ele se relaciona de modo distinto com o espaço e provavelmente com o tempo, mas de maneira alguma está desconectado deles. Ele pode realizar o ato animal de comer. Relaciona-se de forma tal com a matéria, como a conhecemos, que pode ser tocado, embora no início fosse melhor não tocá-lo. Existe também uma história à sua frente que se manifesta desde o primeiro momento da ressurreição: irá tornar-se diferente ou partir par algum lugar. Eis porque a história da ascensão não pode ser separada daquela da ressurreição. Todos os registros sugerem que os aparecimentos do corpo ressurreto chegaram a um fim; alguns descrevem um fim abrupto aproximadamente seis semanas depois da morte. Eles descrevem esse fim abrupto de uma forma que traz mais dificuldades para a mente moderna do que qualquer outra parte das Escrituras. Aqui, certamente, encaramos a implicação de todas aquelas basicalidades primitivas com as quais os cristãos não estão comprometidos: a ascensão vertical como de uma balão, o céu local, a cadeira decorada à direita do trono do Pai. "Ele foi recebido nos céus", diz o evangelho de Marcos, "e assentou-se à destra de Deus". "Foi elevado às alturas", diz o autor de Atos, "e uma nuvem o encobriu dos seus olhos".

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

5 de junho de 2013

PARECE UM FANTASMA, MAS NÃO É

|5 DE JUNHO|

ADMITO QUE, em certos aspectos, o Cristo ressurreto se assemelha ao "fantasma" da tradição popular. Ele "aparece" e "desaparece"; portas trancadas não representam uma obstáculo para ele. No entanto, Cristo mesmo garante, com todo vigor, que era matéria (Lc 24.39-40) e até come peixe frito. É nesse ponto que o leitor moderno se sente desconfortável. E ainda mais quando se depara com as palavras: "Não me detenhas; porque ainda não subi para o meu Pai" (Jo 20.17). Estamos preparados, até certo ponto, para vozes e aparições. Porém, o que poderia significar o fato de não podermos tocá-lo? Que negócio é esse de "subir ao Pai"? Ele já não estava "com o Pai"? O que subir poderia significar, a não ser uma metáfora para isso? E, se for assim, por que ele ainda não foi? Tais embaraços surgem nesse ponto da história que os "apóstolos" tinham para contar começam a conflitar com a história que esperamos e estamos precisamente determinado a ler em sua narrativa.
Esperamos que eles falem de uma vida  ressurreta como uma vida puramente "espiritual", no sentido negativo da palavra. Isso é, usamos a palavra "espiritual" não para significar o que é, mas o que não é. Nós imaginamos uma vida sem espaço, sem história, sem ambiente, sem elementos sensoriais nela. No mais profundo do nosso coração, também tendemos a achar defeito na humanidade de Jesus ressurreto; tendemos a concebê-lo depois da morte simplesmente como uma divindade que está voltando, como se a ressurreição não passasse de uma reversão da encarnação. Sendo assim, todas as referências ao corpo ressurreto nos constrangem; levantam questões complexas.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

4 de junho de 2013

O COMEÇO DA NOVA CRIAÇÃO

|4 DE JUNHO|

RESSURREIÇÃO não foi considerada simples ou principalmente como uma evidência da imortalidade da alma. É claro que hoje ela é bastante considerada desse modo: ouvi alguém defender que a "importância da ressurreição é o fato de provar a sobrevivência". Tal ponto de vista não pode ser conciliado, em nenhum lugar, com a linguagem do Novo Testamento. A partir dessa visão, Cristo simplesmente teria feito o que todos os seres humanos fazem quando morrem; a única novidade seria que, em seu caso, tivemos o privilégio de apreciar o acontecimento. Nas Escrituras, porém, não existe a menor sugestão de que a ressurreição tenha sido uma nova evidência para algo que de fato já estivesse ocorrendo. Os autores do Novo Testamento falam como se a façanha de Cristo em levantar-se dos mortos tivesse sido o primeiro evento deste tipo em toda a história do universo. Ele é o "pioneiro da vida", a "primícia". Cristo arrombou uma porta que esteve fechada desde a morte do primeiro ser humano. Ele encarou o rei da morte, lutou com ele e o derrotou. Tudo é diferente pelo fato de ele ter feito isso. Este é o início da nova criação - um novo capítulo na história cósmica foi aberto.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

3 de junho de 2013

O QUE OS APÓSTOLOS QUERIAM DIZER

|3 DE JUNHO|

QUANDO os escritores modernos falam da ressurreição, geralmente se referem a um evento distinto: a descoberta de uma cova vazia e o aparecimento de Jesus a poucos metros dela. A história daquele momento é o que os apologetas cristãos tentam defender e o que os céticos tentam de todas as formas impugnar. Porém, essa concentração quase exclusiva aos primeiros cinco minutos da ressurreição teria impressionado os primeiros educadores cristãos. Ao alegar terem visto a ressurreição, eles Não estavam necessariamente reivindicando terem visto o que aconteceu. Alguns deles tinham visto, outros não. Isso não tinha mais importância do que qualquer uma das outras aparições de Jesus ressurreto - sem contar a importância poética e dramática que o começo das coisas sempre tem. O que eles afirmavam é que todos, em um momento ou outro, encontraram Jesus ao longo das seus ou sete semanas que seguiram a sua morte. Parece que alguns deles estavam sozinhos quando isso aconteceu, mas houve uma ocasião em que doze deles o viram; em outra, cerca de quinhentos deles. Paulo diz que a maioria dos quinhentos continuava viva quando ele escreveu a primeira carta aos Coríntios, isto é, por volta do ano 55 depois de Cristo.
A "ressurreição" da qual foram testemunhas não era, de fato, a ação de se levantar dos mortos, mas a condição de ter-se levantado. Uma condição, como confirmavam, atestada pelos encontros intermitentes ao longo de um período de tempo limitado (exceto pelo encontro especial e, de certa forma diferente, conferido a Paulo). O encerramento desse período é importante, pois [...] não há possibilidade de isolar a doutrina da ressurreição daquela da ascensão.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

2 de junho de 2013

O TESTEMUNHO APOSTÓLICO

|2 DE JUNHO|

NOS primeiros dias do cristianismo, um "apóstolo" era, antes e acima de tudo, alguém que afirmava ser uma testemunha ocular da ressurreição. Poucos dias depois da crucificação, quando dois candidatos foram indicados para a vaga cedida pela traição de Judas, a qualificação exigida era ter conhecido a Jesus pessoalmente antes e depois de sua morte, e ser capaz de oferecer evidências "de primeira mão" sobre a ressurreição ao comunicar o evangelho aos outros (At 1.22). Alguns dias depois, Pedro, pregando o seu primeiro sermão cristão, afirma o mesmo: "A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas" (At 2.32). Na primeira carta aos Coríntios, Paulo baseia a sua reivindicação ao apostolado no mesmo argumento: "Porventura, não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor?" (9.1).
Como essa autoexplicação sugere, pregar o cristianismo significava primeiramente pregar a ressurreição. [...] Este é o tema central em todos os sermões cristãos relatados no livros de Atos. A ressurreição e as suas consequências eram o "evangelho", ou boas novas, que os cristãos comunicavam. O que chamamos de "evangelhos", as narrativas da vida e morte do nosso Senhor, foram escritos mais tarde para o benefício daqueles que já tinham aceitado o evangelho. Eles não eram a base do cristianismo; foram escritos para os que já estavam convertidos. O milagre da ressurreição e a sua teologia vem primeiro; a biografia vem depois, como um comentário sobre a própria ressurreição. [...] O primeiro fato na história do cristianismo é um grupo de pessoas que insiste em dizer que viu ressurreição. Se elas tivessem morrido sem fazer com que outros acreditassem nesse "evangelho", nenhum dos evangelhos jamais teria sido escrito.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

1 de junho de 2013

INCONTÁVEIS MILHÕES

|1 DE JUNHO|

EIS AQUI outra coisa que me deixa intrigado. Não é tremendamente injusto que essa nova vida seja restrita aos que ouviram falar de Cristo e assim puderam acreditar nele? A verdade, porém, é que Deus não nos disse quais são os planos para as outras pessoas. Sabemos muito bem que ninguém pode ser salvo a não ser por meio de Cristo; não sabemos se somente aqueles que o conhecem podem ser salvos por meio dele. No entanto, se você estiver preocupado com as pessoas de fora, a coisa mais irracional que você pode fazer é também permanecer do lado de fora. Os cristãos representam o corpo de Cristo, o organismo por meio do qual ele trabalha. Cada acréscimo a esse corpo permite que Cristo faça mais. Se você quiser ajudar aqueles que estão de fora, terá de acrescentar sua pequena célula ao corpo de Cristo, que é o único capaz de ajudá-los. Cortar fora o dedo de uma pessoa seria uma dificuldade estranha para fazê-lo trabalhar mais.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]