30 de novembro de 2013

A PIEDADE TEM DE SER ANIQUILADA?

|30 DE NOVEMBRO|

O professor revela os aspectos malignos da piedade

- MAS SERÁ que alguém ousaria dizer - é horrível dizer - que a piedade deve ser aniquilada?
- Você precisa distinguir. A ação da piedade durará para sempre, mas não a paixão da piedade. A paixão da piedade, seu aspecto simplesmente emocional, a dor que leva o homem a admitir o que não deve ser admitido e a bajular quando deveria dizer boas verdades, a piedade que induziu muitas mulheres a perderam a virgindade e muitos estadistas, a honestidade - essa morrerá. Ela foi usada por homens perversos como uma arma contra os bons, mas essa arma será destruída.
- E qual é o outro tipo - a ação?
- É a arma que está do outro lado. Ela salta mais rápido do que a luz, do lugar mais alto ao mais baixo, trazendo cura e alegria, não importa o custo que isso possa ter para si mesma. Ela transforma a escuridão em luz e o mal, em bem. Porém, as falsas lágrimas vindas do inferno não a levarão a transformar em bondade a tirania do mal. Toda doença que for submetida à cura será curada, mas nós não chamaremos o azul de amarelo somente para agradar aqueles que insistem em continuar tendo icterícia, nem transformaremos em esterco o jardim do mundo por causa de alguns que não conseguem suportar o cheiro das rosas.

[C. S. Lewis]
- de The Great Divorce [O Grande Abismo]

29 de novembro de 2013

O INFERNO VETA O CÉU?

|29 DE NOVEMBRO|

O professor expõe o esquema de boicote

- O QUE certas pessoas dizem na terra é que a perda de uma só alma invalida toda a alegria dos que já foram salvos.
- Você pode ver que não é isso que acontece.
- Mas sinto como se tivesse que ser assim.
- Isso soa muito misericordioso, mas observe bem o que se esconde por trás disso.
- O quê?
- O pressuposto de que os desprovidos de amor e os aprisionados em si mesmo tenham permissão de boicotar o universo; de que, até que eles consigam ser felizes (em seus próprios termos), ninguém mais deve sentir o gosto da alegria; de que o poder final está em suas mãos; de que o inferno é capaz de vetar o céu.
- Eu não sei bem o que quero, senhor.
- Meu filho, filhinho querido, deve ser de um jeito ou de outro. Ou virá o dia em que a alegria prevalecerá e todos os promotores de miséria não serão mais capazes de frustrá-la, ou eles sempre conseguirão destruir nos outros a felicidade que rejeitam para si mesmos. Eu sei que soa bem dizer que você não aceitará nenhuma salvação que deixe uma só criatura na escuridão do lado de fora. Mas preste bem atenção naquela sutileza, ou você acabará transformando um cão deitado em uma manjedoura do ditador do universo.

[C. S. Lewis]
- de The Great Divorce [O Grande Abismo]

28 de novembro de 2013

O LUGAR DA FINALIDADE E DA ESCURIDÃO

|28 DE NOVEMBRO|

[UMA] objeção [ao conceito de inferno como punição infligida por Deus] é que nenhum homem caridoso seria capaz de viver uma vida abençoada no céu enquanto tivesse consciência de uma única alma ainda a vagar pelo inferno; mas será que isso nos torna mais misericordiosos do que Deus? Por trás dessa objeção existe uma imagem mental de céu e inferno coexistindo em um tempo linear unidimensional, semelhante à coexistência das histórias da Inglaterra e da América, de modo que os bem-aventurados pudessem dizer a qualquer hora: "As misérias do inferno estão acontecendo agora mesmo". Porém, percebo que, quando o Nosso Senhor enfatiza os terrores do inferno com tamanho rigor, geralmente não enfatiza a ideia de duração, e sim de finalidade. A entrega ao fogo destruidor é geralmente tratada como o fim da história, e não como o começo de uma história nova. Não há dúvida de que a alma perdida está eternamente ligada à sua atitude diabólica; mas não fazemos a mínima ideia se essa ligação eterna implica uma duração interminável - ou qualquer duração que seja. [...] Sabemos muito mais sobre o céu do que sobre o inferno, pois o céu é o lar da humanidade e, portanto, contém tudo o que está implícito em uma vida humana gloriosa. Acontece que o inferno não foi feito para o homem; o inferno não é de forma alguma paralelo ao céu; trata-se, porém, da "escuridão lá fora", da área em que o ser se desvanece no nada.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

27 de novembro de 2013

MAIS DIA, MENOS DIA, ELES CAIRIAM

|27 DE NOVEMBRO|

NÃO SABEMOS quantas dessas criaturas Deus fez, nem por quanto tempo elas continuariam no estado paradisíaco. Contudo, mais dia, menos dia, elas cairiam. Alguém ou alguma coisa lhes sussurrou no ouvido que poderiam se tornar deuses, que poderiam deixar de direcionar suas vidas ao Criador, e de aceitar todos os prazeres como dádivas não declaradas; como "acidentes" (no sentido lógico) que apareceram no decorrer de uma vida que haviam devotado a adorar a Deus e não a tais prazeres. Da mesma forma que um jovem deseja do pai uma mesada que possa considerar sua para fazer seus planos (e com razão, pois seu pai, no final das contas, é uma criatura companheira), eles também buscaram ser independentes, cuidar do futuro deles, planejar por prazer e por segurança, ter algo que pudessem chamar de "seu", do qual sem dúvida pagariam um tributo razoável a Deus em termos de tempo, atenção e amor; mas que em todo caso fosse deles e não de Deus. Os jovens querem, como se costuma dizer, ser "donos do seu próprio nariz". Porém, isso significaria viver uma mentira, porque na verdade, nosso nariz não é, de fato, nosso. O desejo deles era conquistar algum lugar no universo, a partir do qual poderia dizer a Deus: "Esse negócio é nosso e não seu". Mas não existe um lugar assim. O desejo deles era se tornar sujeitos. Mas eles eram, e sempre serão, simples complementos.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

26 de novembro de 2013

COMPARANDO CÃES E GATOS

|26 DE NOVEMBRO|

O MUNDO não consiste em cem por cento de cristãos ou em cem por cento de não-cristãos. Há pessoas (uma grande quantidade delas) que estão lentamente deixando de ser cristãs, mas que ainda utilizam esse nome; algumas são religiosas. Já outras pessoas estão lentamente virando cristãs, embora ainda não respondam por esse nome. Há pessoas que não aceitam toda a doutrina cristã sobre Cristo, mas que se sentem tão atraídas por ele que pertencem a ele num sentido muito mais profundo do que são capazes de entender por si mesmas. Há pessoas em outras religiões que estão sendo levadas pela influência secreta de Deus a concentrarem-se naquelas partes da sua religião que estão de acordo com o cristianismo, e que, dessa maneira, pertencem a Cristo sem sequer darem conta disso. Por exemplo, um budista com boa vontade poderá ser levado a se concentrar mais e mais no ensinamento budista sobre misericórdia e a deixar de lado os ensinamentos budistas sobre outros pontos (por mais que possa dizer que acredite neles). Muitos pagãos bons, bem antes do nascimento de Cristo, podem ter estado nessa posição. E é claro, sempre há uma grande quantidade de pessoas que só está com a mente confusa, sustentando várias crenças inconsistentes, todas misturadas. Consequentemente, não é muito útil tentar julgar cristãos e não-cristãos na multidão. Pode até ser útil querer comparar cães e gatos ou até mesmo homens e mulheres, porque nesses casos é possível distinguir definitivamente quem é quem. Além disso, nenhum animal se transforma (nem lentamente, nem de uma hora para outra) de cão para gato. Porém, quando comparamos cristãos e não-cristãos de forma genérica, geralmente não estamos pensando nas pessoas reais que conhecemos, e sim em duas ideias vagas que extraímos das novelas e dos jornais.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

25 de novembro de 2013

LIVROS PARA ADULTOS

|25 DE NOVEMBRO|

NÃO HÁ necessidade de se preocupar com pessoas brincalhonas que tentam ridicularizar a esperança que os cristãos depositam no "céu" dizendo que elas não querem "passar a eternidade dedilhando harpas". A resposta a esse tipo de gente é que, se elas não conseguem entender livros escritos para adultos, não deveriam ficar falando sobre eles. Toda a simbologia bíblica (harpas, coroas, ouro, etc.) não passa, claro, de uma tentativa simbólica de expressar o inexprimível. Os instrumentos musicais são mencionados porque, para muitas pessoas (nem todas), são na vida presente que o melhor reflete e sugere êxtase e eternidade. As coroas são mencionadas para sugerir que todos os que se encontram unidos a Deus na eternidade compartilham do seu esplendor, poder e alegria. O ouro é mencionado para sugerir a infinitude (ouro não enferruja) e a preciosidade do céu. As pessoas que entendem esses símbolos literalmente podem achar que, quando Cristo nos disse para sermos como pombas, ele pediu que botássemos ovos.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

24 de novembro de 2013

MIRE O CÉU

|24 DE NOVEMBRO|

A ESPERANÇA pertence às virtudes teológicas. Isso significa que olhar constantemente para frente, rumo ao mundo eterno, não é nenhuma forma de escapismo (como pensam alguns modernos) ou de pensamento positivo, e sim algo que se espera que um cristão faça. Isso não significa que devamos deixar o mundo presente do jeito que está. Se você observar a história, descobrirá que os cristãos que mais fizeram pelo mundo presente foram exatamente aqueles que mais pensavam no que há por vir. Os próprios apóstolos, que deram o pontapé inicial para a conversão do Império Romano, os grandes homens que fortaleceram a Idade Média, os evangélicos ingleses que lutaram pela abolição da escravatura, todos eles deixaram as suas marcas nesta terra exatamente porque as suas mentes estavam ocupadas com o céu. Foi exatamente quando os cristãos pararam de pensar no outro mundo que eles eles se tornaram pouco efetivos neste. Mire o céu e terá a terra por "acréscimo"; mire a terrá e não terá nenhuma das duas coisas. Parece-me uma regra estranha, mas algo parecido acontece em outros assuntos. A saúde é uma grande benção, mas no momento em que você a transforma em um dos seus principais objetivos, começará a se tornar um excêntrico, imaginando que há algo errado com você. Você só terá saúde se também desejar outras coisas - comida, jogos, trabalho, diversão, ar puro. Da mesma forma, nunca teremos chance de salvar a civilização enquanto ela foro nosso principal objetivo. Temos de aprender a desejar algo a mais.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

23 de novembro de 2013

É ERRADO DESEJAR O CÉU?

|23 DE NOVEMBRO|

HOJE em dia somos tímidos para falar do céu. Tememos a zombaria por causa do "paraíso celestial" e tememos ser acusados de tentarmos "fugir" do dever de fazer o mundo feliz aqui e agora por meio de sonhos com um mundo feliz em outro lugar. Mas das duas, uma: ou o "paraíso celestial" existe ou não. Se não existir, conclui-se que o cristianismo é falso, pois essa doutrina está profundamente amarrada a toda a trama cristã. Se existir, então é verdade e, como qualquer verdade, ela deve ser encarada, não importa o quanto venha a ser útil aos encontros políticos, ou não. Mais uma vez, tememos que o céu seja uma persuasão e que se fizermos dele nosso alvo, acabaremos nos tornando meros interesseiros. Porém, não é assim. O céu não oferece nada que uma alma mercenária possa desejar. É seguro dizer aos puros de coração que eles verão a Deus, porque só os puros de coração querem vê-lo. Certas recompensas não deturpam os motivos. O amor de um homem por uma mulher não é mercenário só porque ele deseja casar-se com ela; nem o amor pela poesia é mercenário porque ele está ansioso para lê-la; nem o amor pelo exercício é mais interesseiro porque ele quer correr, saltar e andar. O que o amor busca, por definição, é a apreciação do seu objeto.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

22 de novembro de 2013

ENFIM, CONVIDADOS A ENTRAR

|22 DE NOVEMBRO|

PODE até parecer cruel descrever a glória como o fato de ser "notado" por Deus. Porém, é praticamente esse a linguagem usada no Novo Testamento. O apóstolo Paulo não promete, como poderíamos supor, que aqueles que amam a Deus virão a conhecê-lo, mas que eles serão conhecidos por Deus (1Co 8.3). Essa é uma promessa muito estranha. Deus não sabe tudo o tempo todo? Contudo, isso parece terrivelmente repetido em outra passagem do Novo Testamento. Nela nós somos advertidos de que todos nós acabaremos comparecendo diante da face de Deus somente para ouvir as espantosas palavras: "Eu nunca o conheci. Afaste-se de mim" [Mt 7.23]. Em algum sentido, tão obscuro para o intelecto quanto insuportável para os sentimentos, é possível que aconteçam ambas as coisas: que sejamos banidos da presença daquele que conhece todas as coisas. Pode ser que fiquemos completa e absolutamente de fora - repelidos, exilados, estranhos e final e inexplicavelmente ignorados. Por outro lado, é possível que sejamos chamados para dentro, saudados, recebidos e reconhecidos. Caminhamos diariamente na linha tênue que separa essas duas possibilidades incríveis. Aparentemente, então, nossa nostalgia durante a vida, o desejo de sermos reunificados com algo no universo do qual nos sentimos cortados hoje, e de estar do lado de dentro de alguma porta para a qual sempre olhamos de fora, não é nenhuma fantasia neurótica; é o indício mais verdadeiro da nossa real situação. E sermos finalmente convidados a entrar significaria tanto honra e glória que ultrapassam todos os nosso méritos quanto a cura daquela antiga saudade.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

21 de novembro de 2013

MENSAGENS OUVIDAS POR ACASO

|21 DE NOVEMBRO|

QUANDO eu tentava [...] descrever nossas saudades espirituais, estava omitindo uma das suas características mais curiosas. Geralmente a percebemos como no momento em que a visão definha, em que a música acaba ou quando a paisagem perde a sua luminosidade celestial. [...] Por alguns poucos minutos, tivemos a ilusão de pertencer àquele mundo. Agora acordamos para descobrir que não é nada disso. Não havíamos passado de simples espectadores. A beleza havia sorrido, mas não para nos dar as boas-vindas; sua face havia se voltado em nossa direção, mas não para nos ver. Nós não fomos aceitos, bem recebidos, ou convidados para a dança. Podemos ir embora, se quisermos, mas podemos ficar, se pudermos: "Ninguém nos nota". Um cientista pode muito bem dizer que, já que a maior parte das coisas que chamamos de belas são inanimadas, não é tão surpreendente que elas não nos notem. É claro que isso é verdade. Não estou falando dos objetos físicos, mas daquele algo indescritível do qual eles se tornaram mensageiros por um instante. E uma parte da amargura que se mistura com a doçura dessa mensagem deve-se ao fato de que raramente parece tratar-se de uma mensagem destinada a nós, e sim de algo que ouvimos por acaso. Quando falo de amargura, quero dizer sofrimento, e não ressentimento. Dificilmente deveríamos ousar pedir que alguém preste atenção em nós. Mas nós suspiramos. A sensação de que somos tratados como estrangeiros neste mundo, o desejo de ser reconhecido, de encontrar algumas respostas, de ladear alguns abismos que se abrem entre nós e a realidade, fazem parte do nosso segredo inconsolável. E certamente, desse ponto de vista, a promessa de glória, no sentido descrito, se torna altamente significativa para o nosso desejo mais profundo. Pois "glória" significa boa fama diante de Deus, aceitação da parte dele, resposta, reconhecimento e boas-vindas na essência das coisas. A porta na qual batemos por toda a nossa vida finalmente se abrirá.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

20 de novembro de 2013

A PROMESSA DE GLÓRIA

|20 DE NOVEMBRO|

POSSO imaginar alguém dizendo que não simpatiza com a minha ideia de céu como sendo um lugar em que levamos tapinhas nas costas. Porém, o que está por trás dessa antipatia é um grande e presunçoso engano. No final de tudo, aquela face que é o prazer ou o terror do universo deverá voltar-se para cada um de nós como uma expressão ou outra, conferindo uma glória inexprimível ou infligindo uma vergonha que jamais poderá ser curada ou disfarçada. Li certo dia em um periódico que o mais importante é o que pensamos de Deus. Para Deus, não! Na verdade, o que Deus pensa de nós não só é mais importante, como é infinitamente mais importante. De fato, o que achamos dele não tem importância alguma, exceto ao estar relacionado ao que ele pensa de nós. Está escrito que deveremos nos "colocar diante de Deus", deveremos comparecer, deveremos ser examinados. A promessa de glória é a promessa, quase incrível e somente possível pela obra de Cristo, de que qualquer um de nós que realmente o escolher sobreviverá a tal exame, encontrará a aprovação de Deus e o agradará. Agradar a Deus... ser um ingrediente real na felicidade divina... ser amado por Deus, e não apenas objeto de pena; ser apreciado por ele como um artista aprecia a sua obra de arte ou um pai aprecia o seu filho. Parece impossível, um peso ou fardo de glória que nossos pensamentos mal podem suportar.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

19 de novembro de 2013

HUMILDADE PERFEITA

|19 DE NOVEMBRO|


LEMBREI, de repente, que ninguém pode entrar no reino dos céus se não se tornar uma criança; e não há nada tão óbvio numa criança - não numa criança arrogante, mas numa criança boa - quanto seu grande e espontâneo prazer quando a elogiamos. E não somente numa criança, mas até em um cachorro ou cavalo. Aparentemente, o que eu erroneamente considerava humildade impediu-me, por todos esse anos, de entender qual é, de fato, o prazer mais humilde, mais infantil, mais criatural - o prazer específico do inferior: o prazer de um animal em relação ao homem, de um filho em relação ao pai, de um aluno em relação ao professor, de uma criatura em relação a seu Criador. Não estou esquecendo o quão horrivelmente esse desejo inocente é parodiado em nossas ambições humanas, ou com quanta rapidez, em minha própria existência, o prazer legalista do louvor por parte daqueles a quem era meu dever agradar se transforma no veneno mortal da autoadmiração. Porém, eu achava que poderia detectar um momento - um momento muito curto - antes que isso acontecesse, durante o qual a satisfação de ter agradado àqueles a quem eu amei e temi corretamente fosse pura. E isso é suficiente para elevar os nossos pensamentos ao que poderia acontecer quando a alma redimida, para além de toda esperança e quase para além da é, finalmente aprende que agradou a Deus, a quem ela foi criada para agradar. Então não vai haver espaço para a vaidade. A alma estará livre da ilusão miserável de que tenha sido obra dela. Sem nenhuma mácula do que agora chamamos de autoaprovação, ela se alegrará da forma mais inocente naquilo que Deus a fez para ser, e o momento que curará o seu velho complexo de inferioridade para sempre também afogará o seu orgulho mais fundo do que o livro de Próspero. A humildade perfeita dispensa a modéstia. Se Deus está satisfeito com o trabalho, o trabalho pode estar satisfeito consigo mesmo; "não é para ela espalhar os cumprimentos por aí com o seu Soberano".

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

18 de novembro de 2013

BOM TRABALHO

|18 DE NOVEMBRO|

PASSEMOS agora à ideia de glória. Não temos como escapar do fato de que essa ideia é bastante proeminente no Novo Testamento e nos escritos do cristianismo primitivo. A salvação é constantemente associada a coroas, mantos brancos, tronos e esplendor como o do sol e das estrelas. Nada disso tem atrativo imediato para mim e, nesse sentido, imagino que eu seja um típico homem moderno. A glória sugere duas ideias, das quais uma me parece perigosa e a outra, ridícula. Para mim, glória significa fama ou estrelismo. Quanto ao primeiro sentido, já que ser famoso significa ser mais conhecido do que outras pessoas, o desejo pela fama me parece uma paixão competitiva e, portanto, proveniente do inferno e não do céu. Quanto ao segundo sentido, quem gostaria de se tornar uma espécie de lâmpada elétrica viva?
Quando comecei a dar atenção a esse assunto, fiquei chocado em descobrir que cristãos diferentes, como Milton, Johnson e Tomás de Aquino, entendiam a glória celestial, com toda a franqueza, no sentido de fama ou boa reputação. Porém, não como a fama atribuída por nossos companheiros - fama com Deus, aprovada, ou (como eu ousaria dizer) "apreciada" por Deus. Então, depois de refletir sobre tudo isso, reconheci que essa perspectiva é bíblica; nada pode eliminar a recompensa da parábola dos talentos: "Bom trabalho, servo bom e fiel" [Lc 19.17]. Com isso, grande parte do que eu estive pensando a vida inteira caiu por terra, desmanchando-se como um castelo de areia.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

17 de novembro de 2013

A DOCE E SECRETA SAUDADE

|17 DE NOVEMBRO|

AO FALAR nesse desejo por nosso país longínquo, que sentimos dentro de nós agora mesmo, sinto certa timidez. Estou quase cometendo uma indecência. Estou tentando extrair o segredo inconsolável que se encontra em cada um de vocês - o segredo que machuca tanto, que você se vinga dele chamando-o de nostalgia, romantismo e adolescência; um segredo que também penetra com tanta doçura que, quando em qualquer conversa mais íntima a menção dele se torna iminente, acabamos ficando envergonhados e comovidos a ponto de rir de nós mesmos; um segredo que não podemos esconder, mas que também não podemos contar, por mais que desejemos fazer as duas coisas. Não podemos contá-lo porque se trata de um desejo por algo que nunca apareceu em nossa experiência. Não podemos escondê-lo porque nossa experiência o está constantemente sugerindo, e traímos a nós mesmos como os amantes ao mencionar um nome. Nossa saída mais comum é chamá-lo de beleza e nos comportar como se isso pudesse resolver o problema. [...] Os livros ou a música nos quais imaginamos que a beleza estivesse acabarão nos traindo se confiarmos neles. A beleza não estava neles; ela apenas veio por meio deles, e o que nos acometeu por meio deles foi a saudade. Todas essas coisas - a beleza, as memórias do nosso próprio passado - são belas imagens do nosso real desejo; mas, quando as confundimos com a coisa em sim, elas se tornam ídolos mudos, partindo o coração de seus adoradores. Pois elas não são a coisa em si; não passam da fragrância de uma flor que não encontramos, do eco de um tom que não ouvimos, de notícias de um país que jamais visitamos. Você acha que estou tentando lançar algum encanto? Quem sabe esteja; mas lembre-se dos seus contos de fada. A mágica é usada tanto para quebrar o encantamento quanto para induzi-lo.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

16 de novembro de 2013

UMA MUDANÇA GRADATIVA

|16 DE NOVEMBRO|

TODOS os que entendem a vida eterna na visão de Deus indubitavelmente sabem que não se trata de nenhuma espécie de extorsão, mas da mais pura consumação da sua vida de discipulado terreno. Porém, nós, que ainda não a alcançamos, não podemos saber disso dessa maneira; não podemos nem começar a saber, a não ser perseverando no obedecer e encontrando a primeira recompensa final. Na mesma proporção em que o desejo cresce, nosso medo de que ele seja um desejo mercenário acaba de definhando e finalmente  sendo reconhecido como absurdo. Porém, provavelmente, para a maioria de nós, isso não acontecerá em apenas um dia; a poesia substitui a gramática, o evangelho substitui a lei; e o desejo transforma a obediência de forma tão gradativa quanto a maré levanta um navio encalhado.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

15 de novembro de 2013

SEM CHOCOLATES?

|15 DE NOVEMBRO|

A LETRA e o espírito das Escrituras, e de todo o cristianismo, nos proíbem de supor que a vida na nova criação será sexuada; e isso reduz nossa imaginação a duas alternativas: corpos dificilmente reconhecíveis como humanos, ou um jejum perpétuo. Com relação ao jejum, penso que nossas atuais perspectivas sejam como as de uma criança que, se lhe contam que o ato sexual representa o mais elevado prazer físico, pergunta prontamente se é possível comer chocolate ao mesmo tempo. Ao receber uma resposta negativa, quem sabe ela passe a associar a sexualidade basicamente à ausência de chocolate. Seria inútil tentar lhe explicar que, em seu êxtase sexual, os amantes não estão interessado em chocolate, pois tem algo melhor em que pensar. O menino conhece bem o chocolate, mas nada de positivo que possa excluí-lo. A nossa situação é a mesma. Conhecemos a vida sexual; não conhecemos, exceto por vislumbres, aquilo que, no céu, não deixará espaço para ela. Assim, onde a plenitude nos aguarda, antecipamos o jejum. Negar que a vida sexual, como a entendemos agora, possa fazer parte da bem-aventurança final, não é necessariamente supor que a distinção entre os sexos irá desaparecer. Supõe-se que tudo que não for mais necessário para propósitos biológicos talvez sobreviva por seu esplendor. A sexualidade é o instrumento tanto da virgindade como da virtude conjugal; nem homens, nem mulheres terão de lançar fora as armas que vinham empregando com sucesso. Só os derrotados e fugitivos tem de lançar fora as suas espadas. Os vitoriosos desembainham as suas e as mantêm erguidas. "Além-do-sexual" seria um termo melhor do que "assexuada" para a vida no céu.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

14 de novembro de 2013

UMA MENSAGEM DE PAUL WASHER PARA OS JOVENS CRISTÃOS DO BRASIL




Olá, meu nome é Paul Washer e estou aqui no Brasil pela primeira vez em emus 30 anos de ministérios. Eu acabei de pregar e, agora, estou indo pregar em outro lugar, mas gostaria de dizer um oi e cumprimentar os cristãos aqui do Brasil.

Eu também quero encorajá-los a estudar as Escrituras e comparar o que vocês têm aprendido nas Escrituras com outros crentes piedosos ao longo das eras. Sejam muito cuidadosos com o evangelicalismo moderno e com todas essas coisas que estão acontecendo.

Aprendam a andar na simplicidade da obediência. Aprendam a andar em santidade. A maior paixão de vocês deve ser estar cada vez mais devotos à pessoa de Cristo. Entendê-lo, entender o que Ele fez por vocês e servi-lo com tudo o que vocês têm.

Nós vivemos em um mundo muito corrupto, agora. Um mundo que está extremamente caído e que expressa a sua raiva e hostilidade contra Deus. Devemos perceber que viver em um lugar tão corrupto também pode nos contaminar. Então, sejam muito cuidadosos com o modo que vocês andam. Não andem como o tolo, mas andem como o sábio.

Estudem a Bíblia todos os dias de suas vidas. Vivam em seus joelhos. Levem toda necessidade, “tudo a Deus em oração”.

Para vocês, jovens cristãos, uma das melhores coisas que eu posso recomendar é algo que tenho praticado por muitos anos: leiam sistematicamente toda a Bíblia. Comecem em Gênesis e leiam tudo até Apocalipse; e, quando acabar, comecem tudo de novo. Outra coisa maravilhosa que irá ajudá-los a crescer no conhecimento da Palavra é: se enquanto leem a Bíblia vocês não entenderem algo, peguem um caderno e escrevam uma breve pergunta sobre o que não entenderam e continuem lendo. O que acontecerá de maravilhoso é que, quando vocês voltarem a ler a Bíblia inteira novamente, pela segunda vez, vocês serão capazes de responder muitas das suas perguntas com as próprias Escrituras. Enquanto fazem isso, vocês crescerão gradualmente no conhecimento de Deus e de Cristo.

Outra coisa que quero recomendar é isto: se vocês estiverem estudando muito as Escrituras, horas por dia, mas sem oração, então muito desse conhecimento se tornará em orgulho e não produzirá muita piedade em suas vidas. Então, vocês precisam estudar as Escrituras, mas também precisam orar. A oração não é apenas intercessão, mas, também, simplesmente estar com Deus. Vocês poderiam inclusive estudar as Escrituras de joelhos. Muitas vezes, eu ajoelho ao lado de minha cama e coloco a Bíblia sobre ela e leio o texto de joelhos. Quando algo chama minha atenção, eu as elevo a Deus; e quando vejo algo nas Escrituras que não vejo em minha vida, peço para Deus me ajudar, naquele exato momento.

Sabe, o grande desejo de Deus para vocês é conformá-los a imagem de Seu Filho, Jesus Cristo. Isso não acontecerá se forem apáticos e passivos. Paulo fala inclusive de como precisamos nos disciplinar.

Deixe-me repetir isso. Estudar as Escrituras, mas sem pular por elas. Leia de Gênesis até Apocalipse. Além disso, vivam uma vida de oração; não somente a oração, mas também a memorização da Escritura, pois vocês não poderão ter a Bíblia aberta diante de vocês durante o dia inteiro. Então, aprendam a memorizar a Escritura. Vocês sabiam que existem pessoas que memorizaram o Novo Testamento inteiro, todos os Evangelhos, o livro inteiro dos Salmos, e coisas assim? Vocês também conseguem! Eu me lembro de conversar com um homem que é bem conhecido pela sua capacidade de memorização da Escritura. Eu disse: “irmão, Deus lhe deu um dom para memorizar tantos trechos das Escrituras”. Você sabe o que ele me disse? Ele disse: “Não, de forma nenhuma. Eu simplesmente me esforcei mais do que você”.

É isso que eu quero que vocês vejam. Para mim, não é fácil ler a Bíblia sempre, não é fácil orar, porque a carne odeia isso. Então, o que vocês precisam entender é que todos nós precisamos lutar contra a apatia. Todos nós precisamos lutar contra a preguiça espiritual. Porém, são aqueles que lutam contra isso que prevalecem e progridem em santidade. Isso é muito, muito importante. Vocês não se santificarão, vocês não crescerão em sua conformidade com Cristo sem fazer nada.

Deus os abençoe. Eu oro que Ele lhes prospere em tudo, conforme a Sua vontade. Deus os abençoe.

CÉU E TERRA

|14 DE NOVEMBRO|


ACREDITO, na verdade, que qualquer homem que chegue ao céu acabará descobrindo que o que abandonou (mesmo que tenha arrancado seu olho direito) não foi perdido: que âmago daquilo que estava realmente buscando, mesmo em seu mais depravados desejos, estará lá, além de qualquer expectativa, nos "lugares altos". Nesse sentido, todos aqueles que tiverem completado a jornada (e somente estes) poderão verdadeiramente dizer que o bem é tudo e que o céu está em toda parte. Mas nós, que estamos do lado de cá dessa estrada, não devemos tentar antecipar essa visão retrospectiva. Se o fizermos, é provável que abracemos o falso e o desastroso conceito de que tudo é bom e qualquer lugar é o céu.
"Mas, e quanto a terra?", você pode perguntar. Penso que a terra, no final, não será considerada por ninguém como um lugar muito diferente. Caso tenha sido posta no lugar do céu, ela acabará se mostrando como tendo sido, o tempo todo, nada mais do que uma região do inferno; se posta em segundo lugar em relação ao céu, a terra terá sido desde o início uma parte do próprio céu.

[C. S. Lewis]
- de The Great Divorce [O Grande Abismo]

13 de novembro de 2013

AVALIANDO AS MISÉRIAS DO INFERNO

|13 DE NOVEMBRO|

O professor oferece uma perspectiva das misérias do inferno e das alegrias do céu

"O INFERNO inteiro é menor do que uma pedra no seu mundo terreno: mas ainda é menor do que um só átomo deste mundo, o mundo real. Imagine uma borboleta. Se ela engolisse todo o inferno, ele não seria grande o suficiente para lhe fazer algum mal ou para ter qualquer gosto".
"Ele parece grande o suficiente quando você está dentro dele, senhor".
"Ainda que todas as solidões, raivas, invejas, irritações e ódios que ele contém fossem combinados em uma só experiência e colocados na balança junto com o menor momento de gozo sentido pelo menor de todos no céu, não haveria peso algum que pudesse ser registrado. A maldade não pode ter sucesso nem mesmo em ser má da forma como a bondade é boa. Se todas as misérias do inferno penetrassem a consciência de um passarinho pousado num galho, elas seriam absorvidas sem deixar rastro, como se uma gota de tinta caísse naquele grande oceano no qual nosso Pacífico terrestre é apenas uma molécula".

[C. S. Lewis]
- de The Great Divorce [O Grande Abismo]

12 de novembro de 2013

A CRUZ



Jesus viveu uma vida que eu não poderia viver e morreu a morte que eu deveria ter morrido.
[Lecrae Moore]


Vídeo sugerido pelo meu amigo André Bexiga

AVALIANDO OS CUSTOS

|12 DE NOVEMBRO|

RESTA-NOS ainda investigar se, na hipótese de eu continuar sendo um pacifista, devo suspeitar da influência secreta de qualquer paixão. [...] Devo confessar, desde logo, que acho pouco provável que haja qualquer pessoa menos corajosa do que eu. Porém, também tenho de admitir que não há nenhuma pessoa que seja tão virtuosa a ponto de sentir-se insultada por ser solicitada a considerar a possibilidade de uma paixão depravada, quando a escolha for entre muita felicidade e muita miséria. Não cometamos nenhum engano. Tudo o que tememos, entre todos os tipos da mais severa adversidade, está reunido na vida de um soldado em serviço. Assim como a doença, ela ameaça trazer sofrimento e morte. Como a pobreza, ameaça trazer problemas de moradia, frio, calor, fome e sede. Como a escravidão, ameaça trazer trabalho, humilhação, injustiça e arbitrariedades. Como o exílio, ela o separa de tudo o que você ama. Como os navios cargueiros, ela o prende em quartos apertados em companhia desagradável. Ela o ameaça com todos os males temporários - todo tipo de mal, exceto desonra e perdição final; e todos os que são obrigados a suportá-la não gostam dela mais do que você gostaria. Por outro lado, apesar de talvez não ser sua culpa, é inegável que o pacifismo não representa praticamente ameça alguma. Ele pode, sim, representar certa retaliação pública, por parte de pessoas cuja opinião você desconsidera e cuja sociedade não frequenta, e que será em breve recompensada pela aprovação mútua que existe, inevitavelmente, em qualquer grupo minoritário. De resto, ele lhe oferece uma continuidade para a vida que você conhece e ama, entre as pessoas e lugares que você conhece e ama. Ele lhe oferece tempo para lançar os fundamentos de uma carreira; e não importa se você virá ou não a segui-la, dificilmente poderá evitar ter de assumir os cargos que os soldados dispensados um dia buscarão em vão. Você não precisa sequer ter medo, como os pacifistas podem ter tido na guerra passada, de que a opinião pública queira puni-lo quando a paz se instaurar. Pois aprendemos agora que, por mais lento que o mundo seja para perdoar, ele é rápido para esquecer.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

11 de novembro de 2013

UMA CONCLUSÃO LÓGICA PARA POLÍTICOS PACIFISTAS

|11 DE NOVEMBRO|

SE A GUERRA não é o pior mal, é um dos piores. Assim, todos nós gostaríamos de acabar com ela se pudéssemos. Porém, cada guerra acaba levando a outra. Então, o que devemos almejar é a remoção da guerra. Temos de tentar aumentar o número de pacifistas em cada nação por meio da propaganda, até que esse número se torne alto o suficiente para impedir aquela nação de entrar em guerra. Isso me parece um trabalho insensato. Só as sociedades liberais toleram pacifistas. Na sociedade liberal, ou o número de pacifistas será alto o suficiente para invalidar um Estado como beligerante, ou não. Se não for, você não terá feito nada. Se esse número for grande o bastante, então você terá entregado o Estado que tolera os pacifistas ao seu vizinho totalitário, que não os tolera. Esse tipo de pacifismo está tomando o rumo certo em direção a um mundo em que não existirão pacifistas.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

10 de novembro de 2013

COMO CRIAR UM COVARDE

|10 DE NOVEMBRO|

Screwtape explica as técnicas de tentação à covardia

O PONTO principal é que as precauções tendem a aumentar o medo. As precauções impostas publicamente sobre o nosso paciente, entretanto, logo se tornam uma questão de rotina, fazendo desaparecer esse efeito. O que você precisa fazer, então, é manter atuante em sua mente (lado a lado com a consciente intenção de cumprir seu dever) a vaga ideia de todos os tipos de coisas que ele pode fazer ou deixar de fazer, inserida no campo do dever, que parece deixá-lo um pouco mais seguro. Tire da cabeça dele aquela norma simplória do "preciso ficar e fazer alguma coisa" e substitua-a por uma sequência de opções imaginárias: "Se A acontecer - embora eu espere muito que aconteça - eu posso fazer B. E se acontecer o pior, ainda posso fazer C". As superstições, se não forem reconhecidas como tais, podem ser despertadas. O negócio é fazer com que o paciente ache que tem algo além daquilo que o Inimigo [Deus] fornece como apoio, de modo que o que era para ser um comprometimento total ao dever, se torna corroído por pequenas reservas inconscientes. Ao construir uma série de expedientes imaginários para prevenir "que o pior piore", você deverá produzir, naquele nível inconsciente da sua vontade, uma convicção de que o pior não deve piorar. Depois, na hora do verdadeiro terror, caia em cima dos nervos e músculos do seu paciente, e verá como é fácil realizar o ato fatal antes mesmo de ele se dar conta do que você está tentando fazer. Lembre-se que o ato de covardia é tudo o que importa; só a sensação de medo não é, em si, nenhum pecado. Embora nós apreciemos, ela não nos faz bem algum.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

9 de novembro de 2013

A VIRTUDE LEVADA ÀS ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS

|9 DE NOVEMBRO|

Screwtape pesa suas alternativas

ESSA É uma tarefa complicada. Fizemos com que os homens se orgulhassem de quase todos os vícios, exceto da covardia. Sempre que estamos prestes a suceder em fazer isso, o Inimigo [Deus] permite uma guerra, um terremoto ou alguma outra calamidade, e a coragem instantaneamente se torna algo tão encantador e importante, mesmo aos olhos humanos, que todo o nosso trabalho acaba desfeito e temos então mais um vício do qual eles sentem uma vergonha genuína. O perigo em induzir a covardia neles está em acabar produzindo um autoconhecimento autêntico e uma repulsa de si mesmo, que tenham por consequência o arrependimento e a humildade. E, de fato, na última guerra, milhares de seres humanos, ao se darem conta da sua própria covardia, acabaram descobrindo, pela primeira vez, a existência do mundo moral. Em tempos de paz, podemos fazer com que muitos ignorem o bem e o mal inteiramente; em época de perigo, o assunto vem à tona de tal maneira que nem mesmo nós somos capazes de cegá-los. Estamos aqui diante de um dilema cruel. Se promovermos a justiça e a caridade entre eles, estaremos entregando o jogo nas mãos do Inimigo [Deus]. Porém, se os guiarmos para o comportamento oposto, isso poderia acabar, mais cedo ou mais tarde, gerando uma guerra ou uma revolução (pois ele permite que isso aconteça), e a indisfarçável questão da covardia ou da coragem despertaria milhares de pessoas do embotamento moral.
Eis aí, provavelmente, um dos motivos para o Inimigo [Deus] criar um mundo perigoso - um mundo em que os assuntos morais na verdade se impõem. Ele vê, da mesma forma que você, que a coragem não é simplesmente uma das virtudes, mas a forma que toda virtude assume na hora da provação, ou seja, no ponto máximo da realidade. A castidade, honestidade ou a misericórdia que geram perigo, serão castas, honestas ou misericordiosas somente sob certas condições. Pilatos foi misericordioso até o ponto que isso começou a ser arriscado.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

8 de novembro de 2013

O QUE NÃO É "OFERECER A OUTRA FACE"

|8 DE NOVEMBRO|

MAS no momento em que você introduz outros fatores, é claro que o problema muda de figura. Será que alguém supõe que os ouvintes do Nosso Senhor possam ter entendido que ele estava dizendo que, se um maníaco homicida tentasse me empurrar para fora do caminho na tentativa de matar uma terceira pessoa, eu deveria dar licença para que ele pegasse a sua vítima? Em todo caso, penso que seja igualmente impossível eles terem suposto que Deus estava dizendo que a melhor forma de criar uma criança era deixando-a bater nos pais sempre que quisesse, ou que, quando ela pegasse o sorvete, era para lhe oferecer também a cobertura. Acredito que o sentido das palavras estava perfeitamente claro: "Sendo você apenas uma pessoa enfurecida que foi machucada, mortifique sua raiva e não ouse bater de volta". Presumiríamos isso em se tratando de um magistrado que tivesse levado uma surra de um cidadão comum, de um pai agredido por uma criança, de um professor agredido por um aluno, de uma pessoa são agredida por um lunático, de um soldado agredido por um inimigo público. Seus deveres talvez sejam diferentes, porque podem existir outros motivos além da retaliação egoísta para retribuir na mesma moeda.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

7 de novembro de 2013

OFERECENDO A OUTRA FACE?

|7 DE NOVEMBRO|

HÁ TRÊS maneiras de se entender o mandamento de oferecer a outra face. Uma é a interpretação pacifista: ele significa o que está dizendo literalmente - o dever da não-resistência em relação a todos os seres humanos em qualquer circunstância. Outra é a interpretação reducionista: o mandamento não quer dizer exatamente o que está dizendo; trata-se, antes, de alguma forma oriental exagerada de dizer que você deveria suportar muita coisa e ser convincente. Tanto você quanto eu concordamos em rejeitar essa visão. O conflito se dá, portanto entre a interpretação pacifista e uma terceira que proporei agora. Acredito que o texto queira dizer exatamente o que diz, mas com uma margem compreensível a favor daqueles casos claramente excepcionais, que todos naturalmente considerariam exceções, sem que fossem necessário citá-los. [...] Isto é, na medida em que os únicos fatores relevantes no caso forem uma injúria praticada contra mim por meu próximo e um desejo de retaliação da minha parte, então creio que o cristianismo ordena a mortificação absoluta desse desejo. Não se deve dar o mínimo de atenção àquela voz dentro de nós que diz: "Ele fez isso comigo, então devo fazer o mesmo com ele". 

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

6 de novembro de 2013

DO SONHO AO DESPERTAR

|6 DE NOVEMBRO|

É ASSIM que eu faço distinção entre estar sonhando e estar acordado. Quando estou acordado, posso, até certo ponto, avaliar e estudar o meu sonho. O dragão que me perseguiu na noite passada encaixa-se sem problemas no meu mundo desperto. Tenho plena consciência de que existem coisas como sonhos; sei muito bem que aquela refeição de ontem me deu um indigestão; sei que era esperado que um homem como eu sonhasse com dragões. Mas, enquanto estava no pesadelo, não era possível encaixar nele a minha experiência de estar acordado. Julgamos o mundo dos sonhos menos real porque ele não pode conter o mundo desperto. Pela mesma razão, tenho certeza de que, quando passamos dos pontos de vista científicos para os teológicos, estamos passando do sonho para o despertamento. A teologia cristã se encaixa na ciência, na arte, na moralidade e nas religiões subcristãs. Já o ponto de vista científico não se encaixa em nenhuma dessas coisas, nem mesmo na própria ciência. Acredito no cristianismo da mesma forma que acredito que o sol nasceu, não apenas porque eu o vejo, mas também porque ele me permite ver todas as outras coisas.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

5 de novembro de 2013

40 DIAS DE ELIAS



HOJE COMEÇA OS 
40 DIAS DE CONSAGRAÇÃO 
PARA O ANO DE 2014

dia 25 de novembro começará 21 dias de jejum
Fiquem atentos. Maiores informações com seu líder

CIÊNCIA OU MAGIA?

|5 DE NOVEMBRO|

EU DESCREVERIA como "pechincha de mágico" aquele processo pelo qual o homem entrega objeto após objeto, e finalmente a si mesmo, à natureza em troca de poder. É isso mesmo que estou querendo dizer. O fato de o cientista ter sucedido onde o mágico falhou impôs tal contraste entre eles no pensamento popular, que a verdadeira história do nascimento da ciência ficou mal-compreendida. Você até encontrará pessoas que escrevem sobre o século XVI como se a magia fosse um resquício da Idade Média: os séculos XVI e XVII são os pontos altos da magia. O esforço solene da magia e o esforço solene da ciência são irmãos gêmeos: um estava adoentado e morreu; o outro, se fortaleceu e floresceu. Mas eles eram gêmeos. Nasceram do mesmo impulso. Admito que alguns (certamente não todos) dos primeiros cientistas eram motivados por um genuíno amor pelo conhecimento. Porém, se considerarmos o clima daquela época, poderemos discernir o impulso de que estou falando.
Existe alguma coisa que une a magia e a ciência aplicada, enquanto separa ambas da "sabedoria" de eras anteriores. Para os sábios da antiguidade, o principal problema era como conformar a alma à realidade, e a solução era conhecimento, autodisciplina e virtude. Tanto para a magia, quanto para a ciência aplicada, o problema está em como submeter a realidade aos desejos do homem: a solução é uma técnica; e, na prática dessa técnica, ambas estão prontas para fazer coisas anteriormente consideradas repugnantes - como desenterrar e mutilar os mortos.

[C. S. Lewis]
- de The Abolition of Man [Peso de Glória]

4 de novembro de 2013

PAIS PROFETAS, FILHOS PROFÉTICOS


OBSERVAÇÃO CIENTÍFICA

|4 DE NOVEMBRO|

VOCÊ se lembra da velha charada sobre o que vem antes: o ovo ou a galinha? A confiança moderna no evolucionismo universal é um tipo de ilusão de ótica, produzido pela atenção exclusiva à galinha emergindo do ovo. Aprendemos desde a infância a observar como o carvalho mais perfeito nasce a partir da semente e a esquecer que a semente foi lançada por um carvalho perfeito. Somos constantemente lembrados de que o ser humano adulto já foi um embrião em outros tempo, e nunca que a vida do embrião veio de dois seres humanos adultos. Gostamos de enfatizar que a "Maria-Fumaça" não foi gerada por alguma máquina mais rudimentar, e sim por algo muito mais perfeito e complexo do que ela - a saber, por um homem genial. A obviedade ou naturalidade que a maior parte das pessoas parece encontrar na ideia de evolução emergente parece não passar de pura alucinação.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

3 de novembro de 2013

TEORIAS CIENTÍFICAS

|3 DE NOVEMBRO|

SERÁ que já chegamos a esse ponto? Será que toda a vasta estrutura do naturalismo modernos está fundamentada não em evidências positivas, mas sim num preconceito metafísico a priori? Será que o seu objetivo não é apoiar os fatos, mas manter Deus fora. Mesmo que a evolução, no sentido estritamente biológico, tenha um fundamento melhor que esse [...] - e eu não consigo deixar de pensar que tenha -, precisamos distinguir a evolução, neste sentido estrito, do que poderia ser chamado de evolucionismo universal do pensamento moderno. Por evolucionismo universal me refiro à crença de que a própria fórmula do processo universal vai do imperfeito para o perfeito; dos pequenos começos para os grandes fins; do rudimentar para o elaborado. É a crença que faz as pessoas acharem natural pensar que a moralidade surge dos tabus selvagens; que os sentimentos adultos surgem dos desajustes sexuais infantis, que a razão surge do instinto; a mente da matéria; o orgânico do inorgânico; os cosmos do caos. Esse talvez seja o hábito mais arraigado da mente no mundo contemporâneo. E ele me parece pouco plausível, porque torna todo o curso geral da natureza muito distinto daquelas partes da natureza que podemos observar.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

2 de novembro de 2013

MATÉRIA-PRIMA

|2 DE NOVEMBRO|

Screwtape adverte contra o perigo de permitir pequenos prazeres pessoais

OS MAIS profundos gostos e impulsos de um homem são a matéria-prima, o ponto de partida com o qual o Inimigo [Deus] os equipou. Mantê-lo afastado dessas coisas é, portanto, um ponto ganho; mesmo em coisas insignificantes é sempre desejável substituir os padrões do mundo, ou as convenções, ou a moda, pelos próprios gostos e desgostos do indivíduo. Eu levaria isso o mais longe possível. Para mim, seria uma regra erradicar do meu paciente qualquer gosto pessoal intenso que não fosse um pecado em si, mesmo que fossem coisas triviais como o interesse por um jogo de cricket ou por uma coleção de selos ou por chocolate. Coisas como essas, eu lhe garanto, não tem virtudes em si mesmas; mas há certa inocência, uma humildade e uma despreocupação envolvidas, nas quais eu não confio nem um pouco. Uma pessoa que aprecia qualquer coisa deste mundo de forma real e desinteressada, por si só, sem ligar para o que as outras pessoas dizem, acaba, por essa mesma razão, prevenindo-se contra algumas das nossas mais sutis estratégias de ataque. Você deve sempre tentar fazer o paciente abandonar as pessoas, a comuda ou os livros de que ele mais gosta, para dedicar-se às "melhores" pessoas, à comida "mais saudável" e aos livros "mais importantes". Conheci um ser humano que se defendia das tentações mais fortes da ambição social com um prazer ainda mais intenso por um prato de buchada com cebolas.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

1 de novembro de 2013

O VERDADEIRO PRAZER

|1 DE NOVEMBRO|

Quando o paciente se arrepende, Screwtape mostra as falhas de Wormwood

PRIMEIRO, tenho provas de que você permitiu que o paciente lesse um livro que realmente gostava, só pelo gosto de ler, e não para fazer comentários inteligentes com os seus novos amigos. Segundo, você permitiu que ele fizesse aquela caminhada até o velho moinho para tomar um chá - um passeio por uma região que ele realmente gosta, e feito sozinho. Em outras palavras, você o deixou usufruir de dois prazeres verdadeiramente positivos. Será que você é tão ignorante a ponto de não ver o perigo que há nisso? A dor e o prazer são inconfundivelmente reais, e, portanto, até onde conseguem chegar, dão ao homem uma noção da realidade. Assim, se a sua intenção era condenar seu paciente pelo método romântico - tornando-o uma espécie de Romeu apaixonado, submerso em autocomiseração por desgraças imaginárias -, você deveria tentar protegê-lo, a todo custo, de qualquer sofrimento real; pois cinco minutos de verdadeira dor de dente revelariam que o sofrimento romântico não faz sentido algum, e assim seu estratagema acabaria desmascarado. Porém, o que você estava tentando fazer era destruir seu paciente com o mundanismo, ou seja, fazendo-o acreditar que vaidade, jactância, ironia e tédio eram prazeres. Como você não foi capaz de perceber que um prazer real era a última coisa que você podia permitir que ele experimentasse? Você não previu que uma experiência dessas destruiria, pelo contraste, todas as invenções que com tanto empenho você o ensinou a valorizar? E que o tipo de prazer a leitura e o passeio lhe proporcionaram era o mais perigoso de todos? E que isso arrancaria da sua sensibilidade a espécie de casca que você estava pondo, e o faria sentir que estava voltando para casa recuperado? Como um plano preliminar de afastar o seu paciente do Inimigo [Deus], você deveria afastá-lo de si mesmo. E até que você tinha feito alguns progressos neste sentido, agora está tudo desfeito.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]