31 de março de 2013

HUMILDADE ÀS AVESSAS

|31 DE MARÇO|

Screwtape dá prosseguimento do seu exame da virtude da humildade.
Sempre vale lembrar que Screwtape é um demônio, logo o ponto de vista é invertido.

PORTANTO, você precisa esconder do seu paciente a verdadeira finalidade da humildade. Faz com que ele pense nela não como uma maneira de esquecer-se de si, mas como um tipo de opinião (isto é, um baixo conceito) sobre os seus próprios talentos e caráter. Imagino que ele deva possuir alguns talentos de fato. Fixe na mente dele a ideia de que a humildade consiste em tentar acreditar que esses talentos sejam menos valiosos do que ele pensa. Não que haja dúvida de que eles sejam, de fato menos valiosos do que seu paciente acredita, mas não é este o ponto. O que importa é fazê-lo valorizar uma opinião por alguma qualidade que não seja a verdade, introduzindo, assim, um elemento de desonestidade e "faz-de-conta" na essência daquilo que poderia ameaçar se tornar uma virtude. Graças à esse método, milhares de pessoas foram levadas a supor que humildade significa que as mulheres bonitas devem acreditar que são feias; e os homens inteligentes, que são burros. E já que o que eles tentam acreditar acabará, em certos casos, sendo visto como uma grande bobagem, os pacientes jamais sucederão em acreditar nisso, e nós teremos a chance de manter a mente deles infinitamente preocupadas consigo mesmas, num esforço de alcançar o impossível. 

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

30 de março de 2013

HUMILDADE

|30 DE MARÇO|

Screwtape examina a virtude da humildade. 
Sempre vale lembrar que Screwtape é um demônio, logo o ponto de vista é invertido.

O SEU paciente se tornou uma pessoa humilde. Você já chamou a atenção dele para este fato? Todas as virtudes são menos formidáveis para nós assim que o seu possuidor se dá conta disso; porém, para a humildade, isso é especialmente verdadeiro. Pegue-o no preciso momento em que ele está realmente pobre de espírito e infiltre em sua mente esse gratificante pensamento: "Meu Deus! Como estou sendo humilde", e o orgulho pela própria humildade aparecerá quase que instantaneamente. Caso ele acorde para este perigo e tente amenizar sua nova modalidade de orgulho, faça o sentir orgulhoso da sua nova tentativa - e assim por diante, tantas vezes quanto você quiser. Porém, não tente fazer isso por muito tempo, pois isso pode despertar seu senso de humor e proporção - que o fará apenas rir de você e ir dormir. 
Contudo, outras há maneiras proveitosas de fixar a atenção dele na virtude da humildade. Com essa virtude, da mesma maneira que com todas as demais, nosso Inimigo [Deus] quer desviar a atenção do "eu" para ele, e para o próximo. Todos esses sentimentos de humilhação e abnegação são forjados, a longo prazo, somente com essa finalidade. Se eles não a alcançarem nos farão pouco dano; e poderão até nos fazer bem, se mantiverem a pessoa preocupada consigo mesma e, acima de tudo, se o autodesprezo puder se tornar o ponto de partida do seu desprezo para com os outros, de modo que o resultado se verifique em ressentimentos, cinismo e crueldade.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo ao seu Aprendiz]

29 de março de 2013

O PRIMEIRO PASSO

|29 DE MARÇO|

NÃO pense que ao encontrar um homem realmente humilde ele será o que a maioria das pessoas chama de "humilde" hoje em dia. Não será o tipo bajulador e escorregadio, que sempre diz que não é ninguém. Provavelmente, a impressão será de alguém inteligente e gentil, que se interessa, de fato, pelo que você disse a ele. Se você não gostar dele, é porque, na verdade, sente um pouco de inveja de uma pessoa que parece levar a vida com tanta leveza. E ele não será do tipo que fica pensando em humildade. Aliás, ele não ficará pensando em si mesmo.
Para quem está realmente interessado em adquirir humildade, posso recomendar-lhe um primeiro passo - admita que somos orgulhosos. E esse é também um passo enorme. Pelo menos não há nada a fazer antes dele. Se você não está convencido, isso é sinal de que você é mesmo arrogante.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

28 de março de 2013

PONTO DE CONTATO

|28 DE MARÇO|

NUNCA devemos supor que o orgulho seja algo que Deus proíbe por se sentir ofendido ou que a humildade seja algo que ele exige em função da sua própria dignidade (como se Deus tivesse qualquer orgulho). Ele não está nem um pouco preocupado com a sua própria dignidade. O fato é que ele quer que você o conheça; quer se dar para você. E Deus e você são de tipos tais que, se você realmente quiser manter qualquer contato com ele, terá de ser humilde de fato - agradavelmente humilde, sentindo o alívio infinito de ter se livrado de uma vez por todas de toda aquela tolice sobre a sua própria dignidade, que o tornou ansioso e infeliz durante toda a vida. Ele está tentando fazê-lo humilde a fim de tornar possível esse momento: despir você de um monte de roupas ridículas, feias e ultrapassadas com as quais nós nos vestimos e ficamos andando de nariz empinado, nos orgulhando de sermos os idiotas que somos. Eu gostaria de ter avançado mais em relação à minha própria humildade; se assim fosse, provavelmente eu poderia falar-lhe mais sobre o alívio, o conforto de livrar-me da fantasia, do falso eu, com todos os seus "Olhem para mim!" e "Não acham que sou uma boa pessoa?", com todas as suas pompas e circunstâncias. Chegar perto disso, nem que seja só por um instante, é como dar um copo de água gelada a um homem perdido no deserto.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

27 de março de 2013

ORGULHO ESCOLAR

|27 DE MARÇO|

QUANDO dizemos que uma pessoa tem "orgulho" de seu filho, ou do seu pai, ou da sua escola, ou do seu regimento, deveríamos perguntar se "orgulho", neste sentido, seria de fato um pecado. Acredito que tudo depende do que exatamente queremos dizer com "orgulho". A expressão "ter orgulho de" é bem frequente em situações como essas e significa "ter uma admiração de todo o coração por". Uma admiração assim está, evidentemente, muito longe de ser um "pecado". Porém, ela poderá, talvez, significar que a pessoa em questão está se achando o máximo por causa de um pai ilustre ou porque pertence a um regimento famoso. Isso já é um erro; mas, mesmo assim, é melhor do que simplesmente ter orgulho de si mesmo. Amar e admirar algo que se encontra fora de você significa recuar um passo em direção à completa ruína espiritual; todavia, não estaremos indo bem se amarmos e admirarmos algo mais do que amamos e admiramos a Deus.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

26 de março de 2013

ORGULHO DIABÓLICO

|26 DE MARÇO|

O ORGULHO verdadeiramente diabólico aparece quando você olha para os outros com superioridade e não se importa com o que eles pensam de você. É claro que é certo, e muitas vezes é o nosso dever, não ligar para o que as pessoas pensam de nós, se o fizermos pelo motivo justo; isto é, porque estamos muito mais preocupados com o que Deus pensa. Acontece que o homem orgulhoso tem uma razão diferente para não se importar. Ele diz: "Por que eu deveria preocupar-me com o aplauso daquela gentalha, como se a opinião dela valesse alguma coisa? E se valesse, seria eu aquele tipo de homem que ruboriza de prazer diante de um elogio, ou alguma garotinha em sua primeira dança? Não, eu tenho uma personalidade formada, adulta. Tudo o que fiz até hoje foi para satisfazer os meus próprios ideais, ou a minha consciência artística, ou as tradições da minha família, ou então, porque eu sou assim mesmo. Se essa turma aprecia o que fiz, tudo bem. Eles não significam nada para mim". Dessa maneira, o orgulho pode até agir como exterminador de vaidades; pois, como eu disse a pouco, o Diabo adora "curar" um pequeno defeito, presenteando você com um grande. Devemos procurar não ser vaidosos, mas nunca devemos nos fazer valer do nosso orgulho para curar a nossa vaidade.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

25 de março de 2013

UM HUMILDE DEFEITO

|25 DE MARÇO|

O PRAZER de ser louvado não é nenhum orgulho. Uma criança que leva um tapinha nas costas por ter feito bem sua lição; a mulher cuja beleza é elogiada pelo companheiro; a alma salva à qual Cristo diz: Muito bem, servo bom e fiel"; todos ficam agradecidos, e devem ficar mesmo. Aqui o prazer se encontra não no que você é, mas no fato de ter agradado alguém que você você queria agradar, e da maneira mais correta. O problema começa quando você deixa de pensar "que bom ter agradado ele", e passa a pensar "que pessoa legal eu sou por ter feito isso". Quanto mais tempos prazer em nós mesmos, e menos no louvor, pior nos tornamos. Quando nos alegramos totalmente em nós mesmos e não nos importamos mais com o louvor, atingimos o fundo. Eis por que a vaidade, mesmo sendo um tipo de orgulho que aparece mais exteriormente, é o menos detestável e mais perdoável de todos. A pessoa vaidosa quer ser elogiada, aplaudida, admirada e está sempre ansiando por isso. Trata-se de um defeito, mas um defeito infantil e até mesmo (veja só que coisa estranha) humilde. Ele mostra que você ainda não está inteiramente contente consigo mesmo. Você valoriza as pessoas o suficiente para querer que elas olhem para você; mas, na verdade, continua humano.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

24 de março de 2013

A DITADURA DO ORGULHO

|24 DE MARÇO|

O TRISTE é que o pior de todos os vícios, o orgulho, é capaz de se infiltrar no âmago das nossas vidas religiosas. Porém, é fácil ver o porquê. Os outros vícios, menos ruins, vêm do Diabo, que trabalha em nós por meio da nossa natureza animal. No entanto, o orgulho não vem da nossa natureza animal, mas diretamente do inferno. Ele é puramente espiritual, e, por isso, é o mais sutil e mortal. Pela mesma razão, o orgulho pode muitas vezes ser usado para derrubar os vícios mais simples. A verdade é que os professores muitas vezes apelam para o orgulho ou "autoestima" dos meninos para fazê-los se comportar de forma decente. Muitas pessoas até venceram a covardia, a luxúria ou o mau humor, por aprenderem a achar que estavam abaixo do seu nível de dignidade - isto é, por orgulho. O Diabo só dá gargalhadas. Ele se contenta em ver você se tornando casto, corajoso e controlado, desde que consiga instaurar em você a ditadura do orgulho o tempo todo - da mesma forma que ele ficaria contente em ver você curado de um resfriado, para substituí-lo por um câncer. O orgulho é um câncer espiritual. Ele corrói a própria possibilidade de amor, de contentamento ou, até mesmo, de bom senso.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

23 de março de 2013

ESQUEÇA-SE DE SI MESMO

|23 DE MARÇO|

COMO AS pessoas que estão obviamente corroídas pelo orgulho podem dizer que acreditam em Deus e parecer tão religiosas? Temo que isso signifique que estiveram cultuando um Deus imaginário. Elas até admitem que não são nada na presença desse Deus-fantasma; porém, na verdade, estão o tempo todo imaginando qual seria a opinião dele sobre si mesmas e como ele deve considerá-las bem melhores do que as pessoas comuns. Ou seja, por agirem com um punhado de humildade imaginária para com esse Deus, demonstram um orgulho desmedido em relação aos seus companheiros. Suponho que eram essas pessoas que Cristo tinha em mente quando disse que alguns até pregariam e expulsariam demônios no seu nome, mas que, no fim dos tempos, ouviram que ele jamais os conheceu. E qualquer um de nós pode, a qualquer momento da vida, cair nessa armadilha fatal. Felizmente, temos um teste à nossa disposição. Sempre achamos que a nossa vida religiosa está nos fazendo sentir que somos bons - e acima de tudo, que somos melhores do que as outras pessoas -, podemos ter certeza de termos sido ludibriados, não por Deus, mas pelo Diabo. A verdadeira forma de saber que se está na presença de Deus é que, ou você esquece-se de si mesmo de uma vez por todas ou se vê como um objeto pequeno e sujo. A melhor opção é realmente esquecer de vez de você mesmo.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

22 de março de 2013

ORGULHOSO DEMAIS PARA CONHECER A DEUS

|22 DE MARÇO|

OS CRISTÃOS têm razão: o orgulho tem sido a principal causa da miséria em todas as nações e em todas as famílias, desde que o mundo é mundo. Outros vícios podem até unir as pessoas. É possível ver companheirismo, descontração e cordialidade entre bêbados ou pessoas desonestas. Porém, o orgulho sempre significa inimizade - ele é inimizade. Inimizade não apenas entre seres humanos, mas contra Deus.
Em Deus, nos deparamos com algo incomparavelmente superior a nós, em todos os sentidos. A menos que você conheça a Deus dessa maneira - e, portanto, se reconheça como um nada em comparação a ele -, simplesmente não conhecerá a Deus. Uma pessoa orgulhosa está sempre olhando para os outros de cima para baixo. É claro que, enquanto você estiver olhando para baixo, não terá como enxergar o que se encontra acima de você.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

21 de março de 2013

O PODEROSO MUNDO INVISÍVEL


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A RECONCILIAÇÃO DO CASAMENTO

|21 DE MARÇO|

Lewis lamenta a morte de sua esposa, Joy.

"O QUE É bom dura pouco" é o que me sinto tentado a dizer a respeito do nosso casamento, mas isso pode significar duas coisas. Pode parecer absurdamente pessimista - como se Deus não conseguisse ver duas pessoas felizes juntas e logo quisesse estragar a festa: "O que pensam que estão fazendo? Podem parar com isso!". Parecendo até um daqueles donos de festa que vão logo separando dois convidados que aparentam estar envolvidos em uma conversa realmente profunda. Porém, isso também poderia ser entendido assim: "Já está de bom tamanho. Virou o que tinha que virar. Por isso mesmo, é claro, não podia durar mais". É como se Deus tivesse dito: "Muito bom! Você passou pelo teste! Estou muito satisfeito com você. E agora você está pronto para prosseguir". Depois que você aprende a fazer equações, e até se diverte com elas, não deve mais perder seu tempo com isso. O professor passa para o próximo ponto.
Todos nós já aprendemos e alcançamos alguma coisa. Parece que há uma espada, oculta ou exposta, a separar os sexos até que um casamento de verdade os reconcilie. É pura petulância da nossa parte chamar a franqueza, a honestidade e o cavalheirismo de virtudes "masculinas" quando as vemos em uma mulher; é pura petulância delas julgar a sensibilidade, o tato ou carinho de um homem em algo "feminino". Além disso, que fragmentos miseráveis e desagradáveis a maioria dos homens e mulheres comuns precisam ser para tornarem plausíveis as implicações dessa petulância. O casamento tem o poder de curar tudo isso. Juntos, homem e mulher se tornam seres humanos mais completos: "À imagem de Deus os criou". Assim, graças a um paradoxo, esse carnaval de sexualidade nos leva para muito além das divisões dos sexos.

[C. S. Lewis]
- de A Grief Observed [A Anatomia de Uma Dor]

20 de março de 2013

O COMPETIDOR ORGULHOSO

|20 DE MARÇO|

A FORMA mais fácil de você descobrir o quanto é orgulhoso é perguntar-se: "Como eu me sinto quando os outros me esnobam ou se recusam a me notar, ou se intrometem ou mandar em mim?". O fato é que o orgulho de cada pessoa compete com o orgulho de todos os demais. É porque eu realmente queria "arrasar" na festa, que me irritei tanto por outra pessoa ter sido a estrela. Dois bicudos não se beijam. Agora, o que é preciso ver claramente é que o orgulho é essencialmente competitivo por natureza própria, enquanto os demais pecados são competitivos, por assim dizer, acidentalmente. O orgulhoso não tem prazer em ter algo, mas somente em ter mais que o próximo. Alegamos que alguém tem orgulho por ser rico, ou inteligente, ou de boa aparência, mas isso não é verdade. Ele se torna orgulhoso por ter ficado mais rico, ou mais inteligente, ou mais bonito que os outros. Se todo mundo se tornasse igualmente rico, inteligente ou bonito, não haveria nada de que se orgulhar. É a comparação que nos torna orgulhosos: o prazer de estar acima de outras pessoas. Uma vez eliminado o comportamento competitivo, desaparece o orgulho. Eis porque eu digo que o orgulho é essencialmente competitivo de uma forma que os outros vícios não o são. [...] Talvez a ambição me leve ao espírito de competição se não for possível me desviar dela. Porém, o homem orgulhoso, mesmo quando conquistou mais do que poderia desejar, tentará conseguir sempre mais só para garantir o seu poder. Praticamente todos os tipos de mal existentes no mundo, que as pessoas atribuem à ambição ou egoísmo, são, com muito mais frequência, resultado do orgulho.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

19 de março de 2013

O PECADO PRINCIPAL

|19 DE MARÇO|


EXISTE um pecado do qual nenhum ser humano está livre e que todos odeiam. Todos sentem repulsa quando o identificam em alguém e dificilmente uma pessoa que não seja cristã imaginará que possa ser culpada por isso. Já ouvi pessoas admitindo que tem mau humor ou que são covardes. Porém, não acho que tenha ouvido uma pessoa, que não seja cristã, acusar-se desse pecado. E, ao mesmo tempo, raramente encontrei outro ser humano, que não fosse um cristão, que demonstrasse um pouco de misericórdia para com isso nas outras pessoas. Não há outra falha humana que torne o homem tão impopular, e nenhuma da qual estejamos mais conscientes. E quanto mais temos em nós, mais detestamos nos outros.
O pecado a que estou me referindo é o do orgulho e da presunção. E a virtude contrária a ele na moral cristã chama-se humildade. Talvez você se recorde de que, ao falar da moral sexual, disse que esta não constituía o centro da moral cristã. Com isso chegamos ao nosso ponto central. Dizem os educadores cristãos que o pecado principal, a mais hedionda maldade, chama-se orgulho. Falta de caridade, raiva, ambição, bebedeira e tudo o mais não passam de sombras em comparação a ele. Foi pelo orgulho que o Diabo se transformou em Diabo. O orgulho leva a todos os demais pecados: trata-se de um estado mental totalmente anti-Deus.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

18 de março de 2013

ENTENDENDO O MAL

|18 DE MARÇO|

LEMBRE-SE que, como eu disse, a direção certa não leva somente à paz, mas também ao conhecimento. Quando uma pessoa está melhorando, entende com uma clareza cada vez maior o mal que ainda está nela. Quando está piorando, entende cada vez menos a sua própria maldade. Uma pessoa moderadamente má sabe que não é muito boa: uma pessoa totalmente má acha-se muito boa. Eis aí o verdadeiro senso comum. Você pode refletir sobre o sono quando está acordado, mas não enquanto estiver dormindo. Poderá identificar os erros da aritmética quando a sua mente está trabalhando de forma adequada; quando estiver fazendo cálculos errados, não conseguirá enxergá-los. Poderá entender a natureza da embriaguez quando estiver sóbrio, mas não enquanto bêbado. As pessoas boas conhecem tanto o bem quanto o mal. As pessoas más não conhecem nenhum dos dois.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

17 de março de 2013

A CADA ESCOLHA

|17 DE MARÇO|

MUITAS vezes as pessoas supõem que a moralidade cristã é alguma espécie de barganha em que Deus diz: "Se você mantiver um monte de regras, eu o recompenso; se não, nem queira imaginar". Não acho que essa seja a melhor abordagem. Devo dizer que, toda vez que fazemos uma escolha, transformamos a parte central do nosso ser, o departamento das escolhas, em algo um pouco diferente do que era antes. E, considerando toda a sua vida, com todas as suas inúmeras escolhas, você estará transformando lentamente essa parte central numa entidade celeste ou numa criatura diabólica; em outras palavras, em uma criatura que está em harmonia com Deus, com as outras criaturas, e consigo mesma, ou então em uma criatura que está em estado de guerra e ódio contra Deus, contra seus semelhantes e contra si mesma. Ser o primeiro tipo de criatura é prazeroso; isto é, significa alegria, paz, conhecimento e poder. Ser o segundo, significa loucura, horror, idiotice, raiva, impotência e solidão eterna. Todos nós estamos caminhando a cada momento para um estado ou para o outro.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

16 de março de 2013

REVISANDO A NOSSA MATEMÁTICA

|16 DE MARÇO|

PARECE uma brincadeira, quando eu digo que, se um relógio estiver adiantado, a coisa mais sensata a fazer é atrasá-lo? [...] Todos nós desejamos o progresso. Porém, progresso significa chegar mais perto do lugar em que você gostaria de estar. Se você tiver virado na esquina errada, ir para frente não o fará chegar nem um pouco mais perto. Se você estiver na estrada errada, progredir significará dar meia-volta e retomar a estrada certa; e, nesse caso, o homem que voltar mais rápido será o mais progressivo. Todos nós passamos por essa experiência quando lidamos com a matemática. Sempre que faço um cálculo errado, quanto mais cedo admitir o erro e voltar atrás para recomeçar, mais rápido estarei em condições de avançar. Ser teimoso ou recusar-se a admitir um erro não significa avanço. Acredito que, se você olhar para o estado atual desse mundo, ficará bastante claro que a humanidade tem cometido alguns erros graves. Encontramo-nos na estrada errada. E, sendo assim, temos de voltar. Voltar atrás é o caminho mais rápido para o avanço.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

15 de março de 2013

UMA VEZ COMEÇADO...

|15 DE MARÇO|

ESSA doutrina de redenção universal, que se expande a partir da redenção do homem, por mais mitológica que possa parecer aos olhos modernos, é, na realidade, bem mais filosófica que qualquer teoria que defenda que Deus, uma vez dentro da natureza, deveria deixá-la e mantê-la substancialmente não-modificada.
Ou então que a glorificação de uma criatura pudesse ser realizada sem a glorificação de todo o sistema. Deus jamais se desfaz de algo, a não ser do mal, e nunca faz o bem para desfazê-lo depois. A união entre Deus e a natureza na pessoa de Cristo não admite divórcio. Ele jamais se separará da natureza e ela deve ser glorificada segundo todas as formas que essa união milagrosa requer. Quando vier a primavera, ela não deixará "um só canto desse território intocado". Até uma pedrinha lançada em um lago é capaz de provocar pequenas ondas na margem.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

14 de março de 2013

NOSSO MUNDO IMPERFEITO: CRIAÇÃO CORROMPIDA

|14 DE MARÇO|

MUITO bem, quanto à imperfeição da natureza, essa inegável depravação pede uma explicação bem diferente. De acordo com os cristãos, tudo decorre do pecado - tanto da humanidade, quanto de entidades poderosas, sobrenaturais, ainda que criadas. [...] Com certeza, a curiosidade mórbida acerca de seres como esses, que levaram nossos ancestrais a uma pseudociência chamada demonologia, deveria ser fortemente desencorajada. Nossa atitude precisa ser a de um cristão sensível que vive em tempos de guerra, que crê na existência de espiões inimigos no nosso meio, mas não crê nem um pouco nessas histórias particulares de espionagem. Devemos nos limitar à declaração genérica de que os seres de uma natureza diferente e "mais alta", parcialmente relacionados à nossa, caíram como nós e se enxertaram nas coisas deste mundo. Essa doutrina, além de prova-se frutífera para o bem da vida espiritual de cada homem, ajuda a nos proteger de visões da natureza que sejam erroneamente pessimistas ou otimistas. Chamá-la de "boa" ou "má" seria uma filosofia ingênua. Encontramo-nos num mundo de prazeres arrebatadores, belezas impressionantes e possibilidades atordoantes, mas todas sendo constantemente destruídas e reduzidas a nada. A natureza tem esse quê de algo bom que foi estragado.
O pecado, tanto do homem, quanto dos anjos, tornou-se possível pelo fato de que Deus deu a eles livre-arbítrio: abrindo mão, assim de uma porção de sua onipotência (trata-se novamente de um movimento semelhante à morte ou descida). Isso porque ele viu que, em um mundo de criaturas livres, mesmo que elas falhem (e eis aí o processo de reascensão), seria possível gerar uma felicidade mais profunda e um esplendor mais completo do que qualquer mundo de autômatos seria capaz de admitir.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

13 de março de 2013

NOSSO MUNDO IMPERFEITO: CRIAÇÃO EM PROCESSO

|13 DE MARÇO|

COMO A natureza criada por um Deus bondoso chegou a essa condição [de depravação]? Com essa questão poderíamos estar nos referindo ao fato de ela vir a se tornar imperfeita - dando uma "chance para o aperfeiçoamento", como dizem os professores em seus relatórios - ou, então, como ela se tornou indiscutivelmente corrompida. Se fizermos a pergunta usando o primeiro sentido, a resposta cristã (acho) seria que foi Deus quem a criou, desde o começo, para alcançar a perfeição por meio de um processo temporal. Ele criou um mundo, a princípio "sem forma e vazio", que se aperfeiçoou gradativamente. Podemos reconhecer aqui, como em outros lugares, o padrão familiar - a descida a partir de Deus para a Terra informe, e a reascensão a partir do informe para o acabado. Nesse sentido, certo grau de "evolucionismo" ou "desenvolvimento" é inerente ao cristianismo.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

12 de março de 2013

E A AUTORIDADE DE DEUS?

|12 DE MARÇO|

OS CRISTÃOS acreditam que um poder maligno se tornou o príncipe desse mundo na atualidade. E é claro que isso gera problemas. Será que esse estado das coisas está de acordo com a vontade de Deus ou não? Se está, ele seria um Deus muito estranho; se não, como alguma coisa contrária à vontade de um ser com poderes absolutos poderia acontecer?
Qualquer um que já esteve no poder sabe como algo pode estar de acordo com a sua vontade de uma forma e não de outra. Parece bastante sensato que uma mãe diga às crianças: "Eu não vou ficar obrigando você a arrumar seu quarto toda noite. Você terá de aprender a mantê-lo arrumado sozinho". Então, ela se levanta certa noite e acha o ursinho, o frasco de tinta e o livro de francês espalhados pelo chão. Isso é contra a vontade dela. Ela preferiria que os seus filhos fossem organizados. Porém, por outro lado, foi ela mesma que lhes deu a liberdade de bagunçar. A mesma coisa acontece em qualquer regimento, entidade comercial ou escola. Basta que uma coisa se torne voluntária para que a metade das pessoas não a faça. No fundo, você não queria, mas foi a sua vontade que permitiu que isso acontecesse.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

11 de março de 2013

UM ARGUMENTO SIMPLES PARA A TEOLOGIA CRISTÃ

| 11 DE MARÇO|

PRATICAMENTE toda a teologia cristã poderia ser deduzida de dois fatos. Primeiro, de que o ser humano conta piadas grosseiras e, segundo, de que ele teme os mortos. As piadas grosseiras mostram um animal que considera sua própria animalidade contestável ou engraçada. Não vejo como tais fatos poderiam ocorrer, a menos que houvesse algum conflito entre o espírito e o corpo. Isso seria um sinal de que os dois não estão totalmente "a vontade" juntos. Porém, é muito difícil imaginar tal estado de coisas como sendo original - supor uma criatura que tenha, desde o começo, achado chocante e engraçado o mero fato de ser a criatura que é. Não creio que os cães vejam alguma graça em serem cães; suspeito que os anjos não vejam nada engraçado em serem anjos. Nosso sentimento sobre os mortos é igualmente estranho. É desnecessário confessar que nós não gostamos de ver corpos mortos porque temos medo de fantasmas. Você poderia dizer com a mesma certeza que temos medo de fantasmas porque detestamos defuntos, pois o fantasma deve muito do seu horror às ideias associadas com palidez, decadência, caixões, mortalhas e vermes. Na realidade, odiamos a divisão que torna possível a concepção tanto de corpos, quanto de espíritos. Porque são coisas inseparáveis, cada uma das metades resultantes de tal divisão é detestável. As explicações que o naturalismo oferece tanto à pena corporal (morte), quanto aos nossos sentimentos sobre ela, não são satisfatórias. Elas nos remetem a tabus e superstições primitivas (como se eles mesmos não fossem resultados óbvios do fato a ser explicado). Porém, uma vez aceita a doutrina cristã de que o homem era, originalmente, uma unidade e que a divisão atual não é nada natural, todos esses fenômenos voltam a se encaixar.

[C. S. Lewis]
- de Miracles [Milagres]

10 de março de 2013

TERRITÓRIO OCUPADO PELO INIMIGO

|10 DE MARÇO|

UMA das coisas que me surpreenderam quando li o Novo Testamento pela primeira vez foi o fato de ele falar tanto a respeito de um poder das trevas no universo: um poderoso espírito do mal que se esconde por trás da morte, da doença e do pecado. A diferença é que o cristianismo afirma que esse poder das trevas foi criado por Deus, que havia sido bom por ocasião da sua criação, e que só depois se tornou errado. O cristianismo concorda com o dualismo, que diz que esse universo está em guerra. Porém, ele não acha que essa guerra se processa entre poderes independentes. O que o cristianismo propõe é que se trata de uma guerra civil, uma rebelião, e que estamos vivendo em uma parte do universo que está ocupada por um rebelde.
Território ocupado pelo inimigo - isso é o mundo. O cristianismo é a história de como um rei justo retornou às suas terras (diríamos até, disfarçado) e está nos chamando para fazer parte de uma grande campanha de sabotagem. Quando vamos à igreja, na verdade, estamos nos dispondo a ouvir planos secretos dos nossos amigos: eis por que o inimigo fica tão ansioso em evitar a nossa ida até lá. Ele tenta fazer isso apelando para os nossos preconceitos, nossa preguiça e nossa prepotência intelectual. Sei que alguém vai me perguntar: "Você está querendo mesmo, a essa hora do dia, reintroduzir o nosso velho amigo de chifres e patas?". Bem, o que a hora do dia tem a ver com isso, não sei. E não falei nada específico sobre chifres e patas. Porém, em certo sentido, minha resposta seria: "Sim, eu quero". Não estou alegando saber qualquer coisa sobre sua aparência pessoal. Se alguém realmente estiver interessado em conhecê-lo melhor, eu diria a esta pessoa: "Não se preocupe. Se você quer mesmo, então pode ter certeza de que vai conhecê-lo. Se vai gostar de ter sido apresentado a ele ou não é outra história".

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

9 de março de 2013

AS VIRTUDES EM DIFERENTES ÉPOCAS

|9 DE MARÇO|

SE você já caiu na tentação de achar que nós, ocidentais modernos, não podemos ser assim tão ruins por sermos mais humanos, comparativamente falando - se, em outras palavras, se você acha que Deus talvez esteja satisfeito conosco nesse aspecto -, pergunte a si mesmo se Deus se alegrava mais com os tempos cruéis da história por terem se sobressaído em termos de coragem e castidade. Você verá que isso é uma impossibilidade. Se você considerar o que a crueldade dos nossos ancestrais representa para nós, terá alguma noção de como a nossa fraqueza, mundanismo e timidez sorria para eles e, portanto, como ambos devemos parecer aos olhos de Deus.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

8 de março de 2013

MÁ COMPANHIA

|8 DE MARÇO|

PRECISAMOS nos resguardar do sentimento de que talvez haja alguma "segurança nos números". É natural termos a percepção de que se todas as pessoas fossem tão ruins quanto afirmam os cristãos, então a maldade deveria ser algo bastante perdoável. Quando todos os alunos colam em uma provam, isso não pode ser um sinal de que as lições foram difíceis demais? É assim que se sentem os professores que ainda não perceberam que há outras escolas em que noventa por cento dos alunos passaram nos mesmos exames. Só então eles começam a suspeitar que o erro não estava nos examinadores.  Todos nós já tivemos a sensação de vivermos em algum nicho particular da sociedade - dentro dessa ou daquela escola, faculdade, regime ou profissão - em que o clima não era dos melhores. E nesses nichos particulares certas ações eram tidas como meramente normais ("todo mundo faz isso") e outras, como inviavelmente virtuosas e quixotescas. Porém, assim que conseguimos emergir dessa parcela ruim da sociedade, temos uma surpresa desagradável ao percebemos que, no mundo do lado de fora, o que nos parecia "normal" é o tipo de coisa que nenhuma pessoa decente sonharia fazer. E o que nós chamamos de "quixotesco" é tido como o padrão mínimo de decência e normalidade. O que nos pareciam escrúpulos mórbidos e fantásticos enquanto estávamos em nosso "gueto", revelam-se agora os únicos momentos de sanidade de que desfrutamos. É prudente encararmos a possibilidade de que toda a raça humana (que é tão insignificante perto do universo) é apenas um gueto local de maldade - uma escola ou um regimento de má qualidade, em que um mínimo de decência assume dimensões heroicas e a corrupção interior passa a ser vista como uma imperfeição perdoável.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

7 de março de 2013

O TEMPO NÃO ANULA PECADOS

|7 DE MARÇO|

ALIMENTAMOS a estranha ilusão de que o tempo é capaz de cancelar o pecado. Já ouvi outros e me peguei recontando as crueldades e falsidades cometidas na infância como se elas não tivessem nada a ver com o que somos agora. E quando contamos, até damos risada. Porém, o tempo não muda nem o fato nem a culpa por um pecado. A culpa não é lavada pelo tempo, mas pelo arrependimento e pelo sangue de Cristo: se já nos arrependemos desses primeiros pecados, devemos nos lembrar do preço pago pelo nosso perdão e nos tornar humildes. Quanto ao pecado, seria possível algo cancelá-lo? Para Deus ele está sempre presente. Não seria possível, em algum momento da sua eternidade multidimensional, ele ver você no Jardim de Infância, arrancando as asas de uma mosca, sendo malcriado, mentindo, ou sentindo inveja na escola, ou naquele momento de covardia ou insolência como subalterno? Pode ser que a salvação não consista na anulação desses momentos eternos, mas na humanidade aperfeiçoada, que carrega a vergonha para sempre e se alegra pelo momento em que se rendeu à compaixão de Deus e fica agradecida porque isso deveria ser do conhecimento do universo. Quem sabe nesse momento eterno, Pedro - ele certamente irá me perdoar se eu estiver errado - negue o seu Mestre para sempre. Nesse caso, seria verdade que as alegrias dos céus são, para a maioria de nós, na nossa condição presente, "um gosto adquirido" - e certos estilos de vida podem fazer esse gosto tornar-se impossível de se adquirir. Quem sabe os perdidos sejam aqueles que não ousem de colocar em um lugar tão público. É claro que eu não sei se isso é verdade, mas acho que vale a pena manter essa possibilidade em mente.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

6 de março de 2013

A VERDADE SOBRE NÓS

|6 DE MARÇO|

QUALQUER pessoa, que não seja santa ou arrogante demais, tem de saber "viver mantendo as aparências em relação aos outros": ela sabe que há coisas dentro de si que estão bem aquém do seu comportamento público mais descuidado, até mesmo da sua conversa mais vaga. Quando o seu amigo hesita em pronunciar uma palavra, o que você pensa? Nunca dizemos a verdade toda. Podemos até confessar fatos lamentáveis - uma covardia mesquinha ou a mais injusta e prosaica impureza - mas em tom de falsidade. O próprio ato de confessar - em uma visão infinitesimamente hipócrita, com um toque de humor - contribui para você dissociar os fatos do seu próprio "eu". 
Ninguém suspeitaria quão familiares e, em certo sentido, apropriadas, essas coisas foram a nossa alma, e como completam o resto: bem no fundo, no calor do seu íntimo sonhador, não seria tão destoante, não soaria tão estranho e distante do resto, quanto parecem quando são traduzidas em palavras. Costumamos interferir, e muitas vezes acreditar, que os vícios habituais sejam atos individuais e excepcionais, e cometemos o erro oposto em relação às nossas virtudes - da mesma forma que o mau jogador de tênis que se refere à sua forma  normal como "dias ruins" e erroneamente chama seus sucessos raros de normais. Não acho que seja um erro nosso não conseguir dizer a verdade sobre nós mesmos; o murmúrio interior persistente e duradouro do rancor, da inveja, da lascívia, da cobiça e da autocomplacência, simplesmente não é traduzido em palavras. Porém, o que importa é que não devemos considerar nossos discursos inevitavelmente limitados como um relato total do pior que há dentro de nós.

[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

5 de março de 2013

ENCARANDO O MAL

|5 DE MARÇO|

NO MOMENTO em que uma pessoa sente culpa de verdade - momentos raros em nossas vidas -, todas as blasfêmias acabam desaparecendo. Achamos que muitas das falhas humanas podem ser desculpadas - menos isso: O ato vil e feio que nenhum dos nossos amigos jamais teria cometido, que até mesmo o desregrado do fulano teria vergonha de ter cometido, e que nós jamais teríamos deixado ir a público.
Nessas horas adquirimos a certeza de que o nosso caráter, como revelado nesse ato, é, e deve ser, detestável para todas as pessoas boas, e se houver algum poder acima do homem, para ele também. Um Deus que não se refira a isso com desgosto implacável não poderia ser bom. Não deveríamos sequer desejar um Deus assim - seria como desejar que todos os aromas do universo fossem abolidos, que o cheiro do capim, das rosas, ou do mar jamais voltassem a ser prazerosos a qualquer criatura, só porque nossa própria respiração é que cheira mal.
Quando simplesmente dizemos que temos alguma maldade em nós, a "ira" de Deus nos parece uma doutrina bárbara; mas quando percebemos a nossa maldade, sua ira nos parece algo inevitável, uma consequência da bondade de Deus. Se quisermos manter sempre diante de nós a percepção que obtemos de um momento como o acima descrito, e aprender a detectar a corrupção realmente indesculpável, sob disfarces cada vez mais complexos, não poderemos abrir mão de uma compreensão verdadeira  da fé cristã. Não se trata, é claro, de uma nova doutrina. Não estou apresentando nada de muito brilhante aqui. Estou apenas tentando fazer com que meu leitor (e, mais ainda, eu mesmo) atravesse um pons asinorum [ponte de acesso] - para dar o primeiro passo para fora do paraíso dos loucos e das ilusões absolutas.

[C. S. Lewis]
- de The Problem Of Pain [O Problema do Sofrimento]

4 de março de 2013

O IMPULSO DA VINGANÇA

|4 DE MARÇO|


A VINGANÇA perde a visão do fim em detrimento dos meios, mas seu fim não é totalmente mau - ela deseja que o mal do homem perverso tenha sobre ele o efeito que tem sobre as demais pessoas. Isso se prova pelo fato de um vingador nunca contentar-se somente em fazer com que a parte culpada sofra em suas mãos - ela tem de saber a razão. Daí a tendência de atormentar o homem culpado com o seu crime no momento da vingança e também as expressões naturais como: "Gostaria de saber o que ele acharia se fizessem a mesma coisa com ele" ou "vou dar uma boa lição nele". Pela mesma razão, quando vamos abusar de alguém com palavras, dizemos que "ele vai ouvir umas verdades".

[C. S. Lewis]
- de The Problem Of Pain [O Problema do Sofrimento]

3 de março de 2013

RECOMPENSA JUSTA

|3 DE MARÇO|

UM HOMEM mau, mas feliz, é um homem sem a mínima noção de que seus atos não correspondem à realidade e que não estão de acordo com as leis do universo.
A percepção dessa verdade está fundamentada naquele sentimento humano universal de que os maus devem sofrer. Não vale a pena torcer o nariz diante desse sentimento, como se ele fosse comum. Em seu nível mais ameno, ele apela para o senso de justiça de cada pessoa. Certa vez, quando meu irmão e eu ainda éramos pequenos, estávamos desenhando na mesma mesa e eu esbarrei no cotovelo dele fazendo-o traçar um rabisco bem no meio de sua obra de arte. A situação acabou sendo resolvida de forma amigável quando eu lhe permiti fazer um rabisco de igual tamanho da minha folha. Isto é, eu fui colocado no lugar dele e fui obrigado a perceber minha negligência por outro ângulo; o dele. Num nível mais severo, a mesma ideia aparece como "punição retributiva", ou "dar a uma pessoa o que ela merece". Alguns indivíduos esclarecidos gostariam de banir todos os conceitos de retribuição ou merecimento de sua teoria do castigo e atribuir um valor total às teorias que apostem mais em estratégias de inibição ou na reforma do próprio criminoso. Eles não percebem que, agindo assim, passarão a considerar toda punição injusta. O que poderia ser mais imoral do que infligir sofrimento a mim em prol da inibição dos outros uma vez que eu não mereço este sofrimento? E se eu, na verdade, mereço esse sofrimento, você está admitindo a reivindicação da "retribuição". E há algo pior do que ser aprendido e submetido a um desagradável processo de reforma moral sem o meu consentimento, a menos que (mais uma vez) eu o mereça?

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

2 de março de 2013

O DILEMA MORAL

|2 DE MARÇO|

A MORALIDADE parece preocupar-se com três pontos. Em primeiro, com jogo limpo e harmonia entre indivíduos. Em segundo, com o que pode ser chamado de "arrumação" e "harmonização" das coisas dentro de cada indivíduo. Em terceiro, com o propósito geral da vida humana: para que o homem foi criado, que rumo dar à frota toda, que peça o maestro deseja que a banda execute. [...]
Praticamente todos em todos os tempos concordam (em tese) que os seres humanos devem ser honestos, gentis e dispostos a ajudar uns aos outros. Porém, embora seja natural começarmos assim, se o nosso pensamento sobre a moralidade acabar por aí, é a mesma coisa de não termos pensado nada. A menos que avancemos para o segundo ponto - a arrumação interior de cada ser humano -, estamos apenas nos enganando.
Qual a vantagem de dizer aos navios como eles devem navegar para evitar colisões se, na verdade, eles não passarem de banheiras velhas, que nem sequer tem como ser dirigidas? Qual a vantagem de estabelecer regras de comportamento social, no papel, se sabemos que nossa ambição, nossa covardia, nosso mau humor e nosso egoísmo nos impedirão de observá-las? Não quer dizer, em momento algum, que não devemos pensar seriamente sobre as maneiras de melhorar o nosso sistema social e econômico. O que quero dizer é que toda essa reflexão nada valerá se não percebermos que não há nada, a não ser a coragem e o altruísmo dos indivíduos, que faça um sistema funcionar de forma mais apropriada. É fácil demais acabar com certos tipos de suborno ou ameça que ocorrem no sistema atual. Porém, sempre encontrarão alguma forma de dar continuidade ao velho jogo sob um novo sistema. Não se pode tornar o ser humano bom por decreto: e sem pessoas boas não se pode ter uma sociedade boa.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

1 de março de 2013

MORALIDADE: UMA LIÇÃO RÁPIDA

|1 DE MARÇO|

A MÁQUINA humana pode funcionar mal de duas maneiras. Uma, quando os indivíduos se afastam uns dos outros ou então se chocam uns com os outros provocando dano ao enganar ou ameaçar. A outra maneira é quando as coisas dão errado dentro do indivíduo - ou seja, quando suas diferentes partes (suas diferentes faculdade, desejos e assim por diante) se afastam ou interferem umas nas outras. Essa ideia ficará mais clara se no imaginarmos como uma frota de navios velejando em formação. A viagem só terá sucesso se os navios não se chocarem e não cruzarem o caminho uns dos outros, e se cada navio estiver em condições de navegação e com seus motores em ordem. Na verdade, uma coisa não poderá acontecer sem a outra. Se os navios continuarem se chocando, não continuarão em condições de navegação por muito tempo. Mas, em contrapartida, se os seus lemes de condução estiverem quebrados, eles não terão condições de evitar colisões. Ou, se preferir, pense na humanidade como uma banda tocando uma música. Para se ter um bom resultado, é preciso que cada instrumento esteja afinado e que cada músico entre em cena no momento certo, conforme o combinado.
No entanto, há algo que ainda não levamos em conta. Não nos perguntamos onde a frota está tentando chegar ou que peça musical a banda está tentando tocar. Mesmo que os instrumentos estejam bem afinados e entrem em cena na hora certa, o desempenho acabará em fracasso se a banda tiver sido contratada para tocar músicas para dança e só tocar marchas fúnebres. Não importa o quão bem a frota navegue; a viagem será um fracasso se o seu destino for Nova York e você for parar em Calcutá.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]