31 de janeiro de 2013

A SIMPLICIDADE DO EVANGELHO E A SOFISTICAÇÃO DA IGREJA

Por Ricardo Barbosa

O evangelho de Jesus Cristo é simples. Simples na forma e simples no conteúdo. A vida e o ministério de Jesus acontecem num cenário simples. Ele anunciou as boas novas do reino de Deus, demonstrou presença do reino através de palavras, exemplos e ações. Convidou pessoas para estarem e aprenderem com ele. Sofreu as incompreensões do sistema religioso e político do seu tempo. Morreu e ressuscitou. Após a ressurreição, encontrou-se com seus discípulos e comunicou-lhes que recebera toda autoridade no céu e na terra, e que, como Rei e Senhor, enviou seus discípulos para anunciarem as boas novas, levando homens e mulheres a guardarem tudo o que ele ensinou, integrando-os numa comunidade trinitária por meio do batismo, e prometeu estar com eles todos os dias, até o fim.

Alguns dias depois, no meio da festa de Pentecostes, 120 discípulos estavam reunidos em Jerusalém, e a promessa de Jesus se cumpriu. Todos foram cheios do Espírito Santo, começaram a viver a nova realidade anunciada por Jesus, saíram alegremente, por todo canto, pregando a boa notícia de que Deus visitou seu povo e trouxe salvação, justiça e liberdade.

A história seguiu e os cristãos foram se multiplicando, organizando igrejas, criando instituições, formas e ritos. Porém, as instituições cresceram e suas estruturas se tornaram mais complexas e sofisticadas. Transformaram-se num fim em si mesma. A simplicidade do evangelho foi substituída pela complexidade institucional.

C. S. Lewis, na carta 17 do livro Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, aborda o tema da glutonaria e afirma que uma das grandes realizações do maligno no último século foi retirar da consciência dos homens qualquer preocupação sobre o assunto, e isso aconteceu quando ele transformou a "gula do excesso na gula da delicadeza". Para C. S. Lewis, o problema da gula, muitas vezes, não está no excesso de comida, mas na sofisticação, na exigência de detalhes em relação ao vinho, ao ponto do filé ou ao cozimento da massa. Fica impossível atender a um paladar tão sofisticado. A simplicidade do ato de comer dá lugar à sofisticação gastronômica. Pessoas assim, segundo o autor inglês, demitem cozinheiras, destratam garçons, abandonam restaurantes, cultivam relacionamentos falsos e terminam a vida numa solidão amarga.

Como igreja, corremos o mesmo risco. A simplicidade e pureza do evangelho já não provocam prazer na maioria dos cristãos ocidentais. A sofisticação da igreja, sim. É o vaso tornando-se mais valioso que o tesouro contido nele. Se a música não estiver no volume perfeito, o ar condicionado no ponto exato, a pregação no tempo apropriado, com conteúdo que agrade a todos os paladares e com o bom uso dos aparatos tecnológicos, talvez eu não me agrade desta igreja.

Justificamos a sofisticação com expressões como "busca por excelência", "relevância", "qualidade". Parece justo. O problema é que a excelência ou a relevância do evangelho está exatamente na sua simplicidade. É cada vez mais fácil encontrar cristãos que acharam a "igreja certa" do que os que simplesmente encontraram o evangelho. A sofisticação mantém o cristão num estado de espiritualidade falsa e superficial. A maior deficiência do cristianismo não está na forma, mas no conteúdo.

A verdadeira experiência espiritual requer um coração aquecido e não sentidos aguçados. Precisamos elevar nossos afetos por Cristo, seu reino, sua Palavra e seu povo, e não os níveis de sofisticação e exigências institucionais. O vaso deve ser de barro, sempre. O tesouro que ele guarda, o evangelho simples de Jesus Cristo, é que tem grande valor. A sofisticação produz queixas, impaciência, falta de caridade e egoísmo. A simplicidade sempre nos conduz a compaixão, sinceridade, devoção e autodoação.

Texto retirado da revista Ultimato (Ano XLVI, número 340, janeiro-fevereiro de 2013)
Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristãos de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.



MÚSICA DO DIA [31.01.2013]

Esta é a música de hoje:

Aline Barros - Rei da Glória

 

Para quem não sabe esta música é uma versão da King of Glory, do Third Day, que particularmente eu gosto mais.

 

A CORDA DE SEGURANÇA

|31 DE JANEIRO|

MINHA tentação mais recorrente é esta: ir até àquele mar (se não me engano, São João da Cruz chamou Deus de mar) e, chegando lá, jamais mergulhar, nadar ou fluir, mas apenas tocar ou bater na água, com todo o cuidado para não ir muito fundo e ficar perto da corda de segurança que me conecta com as coisas temporais.
Isso pode ser muito diferente das tentações que encontramos no início da vida cristã. Naquele tempo, lutávamos (pelo menos eu lutava) contra a admissão de que o eterno sequer existisse. E, depois de termos lutado e sido feridos e rendidos, supúnhamos que tudo não passara de uma viagem tranquila. E essa tentação vem mais tarde. Ela é endereçada àqueles que já admitiram que Deus existe e que estão empreendendo esforços para ir ao encontro dessa admissão. Nossa tentação é buscar ansiosamente o mínimo que será aceito. De fato, somos como pagadores de impostos, honestos, mas relutantes. Admitimos a necessidade de imposto de renda, em princípio. Fazemos as declarações de maneira honesta, mas temos pavor do aumento dos impostos. Temos todo o cuidado de não pagar mais do que o necessário e esperamos - com todo o fervor - que, depois de pagarmos, ainda reste o suficiente para sobreviver.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

30 de janeiro de 2013

PROSSIGA COM MUITO CUIDADO

|30 DE JANEIRO|

É DESSE tipo de coisa que eu estou falando. Eu faço minhas orações, leio um livro devocional, me preparo ou recebo o sacramento. Porém, enquanto faço essas coisas, há, por assim dizer, uma voz dentro de mim que me alerta a tomar cuidado. Ela me recomenda a ser cuidadoso, me manter frio, não ir longe demais, não atiçar fogo no meu próprio bote. Eu me apresento diante de Deus, morrendo de medo, torcendo para que nada aconteça comigo diante daquela presença que seja inconveniente e intolerável demais quando eu voltar à minha vida "normal". Não gostaria de ser levado a tomar alguma decisão que viesse a lamentar mais tarde. Eu sei que deveria me sentir bem diferente depois do café da manhã; não gostaria que me acontecesse nada no altar que redundasse em uma conta muito alta para eu pagar na hora. Seria muito desagradável, por exemplo, assumir o dever da caridade (enquanto estivesse no altar) de uma maneira tão séria que, depois do café da manhã, eu tivesse de rasgar a resposta malcriada que tinha escrito ontem para um leitor descarado e que pensava em postar hoje. Seria bem estressante comprometer-se com um programa de redução que acabasse com meu cigarro depois do café da manhã (ou que, na melhor das hipóteses, me desse a cruel alternativa de deixar o cigarro para mais tarde). Até o arrependimento dos atos passado terá de ser pago. Quando nos arrependemos, os reconhecemos como pecados que, portanto, não devem ser repetidos. Melhor então deixar a coisa em aberto.
O princípio básico de todas essas precauções é o mesmo: proteger as coisas temporais.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

29 de janeiro de 2013

ATO FALHO

|29 DE JANEIRO|

Ó Deus, protetor de todos os que em ti confiam, sem o qual nada é forte, nada é santo: Aumente e multiplique sobre nós a sua graça para que possamos passar, por meio de sua legislação e condução, pelas coisas temporais, a fim de não perder as coisas eternas. Rogamos por isso, ó Pai celestial, por amor de Jesus Cristo, nosso Senhor, amém.

HÁ algum tempo, quando eu estava fazendo a súplica acima, peguei-me num ato falho. Eu pretendia orar para que Deus deixasse passar de mim as coisas temporais, a fim de que, em última instância, eu não perdesse as coisas eternas. E me vi orando para que Deus me fizesse passar pelas coisas eternas para que, no final das contas, não desperdiçasse as coisas temporais. É claro que eu não acho que um ato falho seja pecado. Não tenho nem sequer certeza de ser um freudiano convicto o suficiente para acreditar que todos esses atos, sem exceção, sejam profundamente significativos, mas acredito que alguns deles o sejam e que esse era um deles. Eu pensava que o que eu havia dito de forma inadvertida expressasse quase exatamente o que eu desejava de fato.
Quase exatamente; não, é claro, precisamente. Eu nunca fui estúpido o bastante para pensar que o eterno poderia, estritamente, ser "passado para trás". O que queria mesmo deixar para trás, sem prejuízos às coisas temporais, eram aquelas horas ou aqueles momentos em que eu atentei para o eterno e me expus a ele.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

28 de janeiro de 2013

ACHANDO O EQUILÍBRIO

|28 DE JANEIRO|

Cartas do Diabo ao seu Aprendiz apresenta uma troca ficcional de correspondência entre um tentador sênior, Screwtape, e seu protegido, Wormwood. Esta história tem que ser lida do outro ponto de vista. Screwtape oferece maneiras de explorar de forma astuciosa a linguagem vazia do paciente.

ACONTECE que há uma forma ainda melhor de explorar o desânimo; isto é, por meio dos pensamentos do próprio paciente sobre ele. O primeiro passo, como sempre, é manter o conhecimento fora da sua mente. Não o deixe suspeitar da lei dos altos e baixos. Faça-o achar que se esperava que o primeiro entusiasmo da sua conversão durasse para sempre, e que sua aridez atual é uma condição igualmente permanente. Uma vez tendo essa concepção errada bem fixada em sua mente, você poderá então proceder de várias formas. Tudo depende se o seu paciente é do tipo melancólico e desanimado, com tendências ao desespero, ou do tipo obstinado, capaz de afirmar que tudo vai bem. O primeiro está se tornando raro entre os seres humanos. Caso o seu paciente pertença a essa "raça", tudo se torna fácil. O que você tem a fazer é mantê-lo longe do caminho de cristãos experientes (coisa fácil de se fazer hoje em dia), dirigir a atenção dele às passagens apropriadas das Escrituras e depois fazê-lo se emprenhar no projeto desesperado de recuperar seus velhos sentimentos por meio da pura força de vontade. Aí o jogo estará ganho. Se ele for do tipo mais esperançoso, nosso trabalho será o de torná-lo mais complacente na atual fase baixa do seu espírito e gradualmente ajustá-lo a essa situação, persuadindo-o de que não está tão baixo. Em uma semana ou duas, você deverá fazê-lo se perguntar se, afinal de contas, os primeiros dias do seu cristianismo não foram um tanto radicais. Fale com ele a respeito da "moderação em todas as coisas". Se você conseguir levá-lo a pensar que "a religião só é boa até certo ponto", poderá sentir-se bastante feliz quanto à alma do seu paciente. Uma religião moderada é tão convincente para nós quanto religião nenhuma - e mais divertida inclusive.

[C. S. Lewis]
- de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo ao seu Aprendiz]



27 de janeiro de 2013

SER BOM

|27 DE JANEIRO|

NEM mesmo o melhor de todos os cristãos age por suas próprias forças. Só o que ele faz é conservar ou proteger uma vida que ele jamais teria adquirido por seus próprios esforços. E isso tem consequências práticas. Enquanto a vida natural está no nosso corpo, ela fará o que puder para restaurá-lo. Se ele sofre um corte, saberá se curar até certo ponto, de uma forma que nenhum corpo morto saberia fazer. Semelhantemente, um cristão não é uma pessoa que jamais erra, e sim alguém capaz de se arrepender, reerguer-se e começar novamente depois de cada queda. A vida de Cristo está dentro dele, reparando-o o tempo todo, capacitando-o a repetir (até certo ponto) o tipo de morte voluntária que Cristo mesmo tomou sobre si.
Eis a razão por que o cristão se encontra em circunstâncias diferentes de outras pessoas que tentam ser boas. Elas acham que sendo boas podem agradar a Deus (se é que existe algum); ou, se elas acham que não  existe Deus algum, esperam ao menos merecer a aprovação das pessoas boas. Porém, o cristão atribui toda boa obra que faz à vida de Cristo em seu interior. Ele não tem a ilusão de que Deus irá nos amar porque somos bons, mas que Deus nos fará bons por que nos ama; da mesma forma que o telhado de uma estufa não atrai os raios do sol porque é brilhante, mas se torna brilhante porque o sol brilha nele.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

26 de janeiro de 2013

NÃO COMO UM RIO, MAS COMO UMA ÁRVORE

|26 DE JANEIRO|

NÃO vivemos num mundo em que todas as estradas são raios de um círculo e, se seguidas por uma longa distância, se aproximarão gradativamente para se encontrarem no centro. Na verdade, vivemos num mundo em que toda estrada, depois de uma certa distância, se bifurca em duas, para em seguida se bifurcar-se novamente. E em cada encruzilhada você deve tomar uma decisão. Mesmo no nível biológico, a vida não é como um rio, mas como uma árvore. A vida não se move em direção à unidade e, sim, para longe dela. E, à medida que crescem em perfeição, as criaturas vão se afastando cada vez mais uma das outras. O bem, conforme amadurece vai se tornando cada vez mais distinto não do mal, mas também de outro bem.

[C. S. Lewis]
- de The Great Divorce [O Grande Abismo]

25 de janeiro de 2013

THE G.O.S.P.E.L

Vi esse vídeo há tempos e também o postei aqui, mas compensa postá-lo novamente.

QUEM PODERIA IMAGINAR?

|25 DE JANEIRO|

A REALIDADE, pela minha experiência, além de ser complicada, costuma ser estranha. Ela não é clara, não é óbvia, raramente é do jeito que você esperava. Por exemplo, quando você entendeu que a Terra e os outros planetas giram em torno do sol, você, naturalmente achava que todos os planetas tivessem sido feitos para emparelhar - todos com a mesma distância uns dos outros, ou pelo menos, distâncias que proporcionalmente aumentam; que fossem do mesmo tamanho, ou pelo menos fossem ficando maiores ou menores à medida que se distanciassem do sol. Na verdade, você não encontra explicação ou razão (que nós podemos ver) para os tamanhos nem para as distâncias. Alguns planetas tem uma lua; um tem quatro; outro duas, alguns nenhuma e outro tem um anel.
A realidade costuma, de fato, ser algo que você jamais teria imaginado. Essa é uma das razões por que eu acredito no cristianismo. Trata-se de uma religião que você nunca teria conseguido inventar. Se ele só nos oferecesse o tipo de universo que sempre desejamos, teria a forte impressão de que o estaríamos inventando. Porém, na verdade, não se trata do tipo de coisas que alguém pudesse ter inventado. Ele tem aquela singularidade imprevisível que as coisas reais tem.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

24 de janeiro de 2013

ENCONTRANDO CONFORTO

|24 DE JANEIRO|

TUDO o que estou pedindo é que as pessoas encarem os fatos e compreendam as questões para os quais o cristianismo afirma ter a resposta. Tratam-se de fatos bem aterradores. Gostaria até de ser capaz de dizer algo mais agradável, mas sou obrigado a dizer o que sei ser verdade. É claro que concordo que a religião cristã seja, a longo prazo, algo que proporciona um conforto inexprimível. Porém, ela não começa pelo conforto, e, sim, pelo espanto que descrevi a pouco. É inútil seguir em direção a este conforto sem antes passar pela experiência do espanto. Na religião, da mesma forma como na guerra e em tudo o mais, o conforto é algo impossível de se conquistar enquanto procuramos por ele. Porém, quando você busca a verdade, é possível que ache conforto no final. Se você busca o conforto, não conquistará nem o conforto nem a verdade - só o que encontrará no começo será um sabão escorregadio e falsas esperanças. E no final, encontrará apenas desespero.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

23 de janeiro de 2013

SOBRE A AUTORIDADE

|23 DE JANEIRO|

HÁ TRÊS coisas que propagam a vida de Cristo em nós: o batismo, a e a ação misteriosa que os cristãos conhecem por nomes diferentes como Santa Ceia, missa e Ceia do Senhor. Ao menos esses são os três meios mais comuns. [...]
Da minha parte, não vejo por que coisas como essas deveriam ser as condutoras de um novo tipo de vida. [...] Porém, embora eu não consiga ver por que deveria ser assim, posso lhe dizer por que acredito que seja. Expliquei anteriormente por que tenho de acreditar que Jesus era (e é) Deus. E parece claro, como fato histórico, que ele ensinou aos seus seguidores que a nova vida seria comunicada desta forma. Não se assuste por causa da palavra autoridade. Acreditar em algo por causa da autoridade significa acreditar nisso porque quem lhe contou é digno de credibilidade. Noventa e nove por cento do que você acredita se deve à autoridade. Acredito que exista um lugar chamado Nova York. Nunca vi com os meus próprios olhos, nem poderia provar com base em algum raciocínio abstrato que esse lugar existe. Acredito porque pessoas confiáveis me contaram. O homem comum acredita no sistema solar, em átomos, na evolução e na circulação do sangue, por causa da autoridade - os cientistas o dizem. Nenhum de nós viu a Guerra do Paraguai ou a Proclamação da República; nenhum de nós poderia provar esses fatos por pura lógica, da mesma forma que se demonstra uma fórmula matemática. Nós acreditamos nelas simplesmente porque as pessoas que as viram deixaram documentos que nos falam a respeito; ou seja, baseados na autoridade. Um indivíduo que desprezasse a autoridade no que diz respeito a outras coisas, da forma como algumas pessoas fazem quando se trata de religião, teria de se contentar em não saber nada por toda a vida.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

22 de janeiro de 2013

REMÉDIOS DIVINOS

|22 DE JANEIRO|

O QUE foi que Deus fez? Antes de tudo, ele nos dotou de consciência, da percepção do certo e do errado; e por toda a história houve pessoas tentando (algumas delas muito intensamente) obedecer a sua voz. Porém, nenhuma delas jamais obteve sucesso. Em segundo lugar, Deus enviou à raça humana o que eu chamo de bons sonhos: daquelas histórias bizarras, espalhadas por todas as religiões pagãs, sobre um deus que morre e volta à vida e, por meio da sua morte, dá, de alguma forma, nova vida ao ser humano. Em terceiro lugar, ele escolheu um povo particular e passou vários séculos martelando em suas mentes que tipo de Deus ele era: que só havia um Deus e que ele se preocupava com a conduta adequada. Esse povo era o judeu, e o Antigo Testamento nos dá uma ideia desse processo de "esculpimento".
No entanto, a coisa mais chocante ainda estava para acontecer. Entre esses judeus, de repente, surge um homem que sai dizendo ser Deus. Ele alega ter poder para perdoar pecados. Afirma que sempre existiu e que veio para julgar o mundo no fim dos tempos. Agora, vamos deixar claro este ponto. Entre os panteístas (indianos, por exemplo), qualquer um poderia dizer que fazia parte de Deus, ou que era um com Deus: não haveria nada de muito estranho nisso. Porém, este homem, por ser judeu, não poderia se referir a esse tipo de Deus. Na linguagem deles, Deus significava um ser que vive fora do mundo, um ser que os criou e que é infinitamente diferente de qualquer outra coisa. E quando você entender isso perceberá que o que esse homem disse foram, simplesmente, as palavras mais surpreendentes jamais pronunciadas por lábios humanos.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

21 de janeiro de 2013

DE MITO POÉTICO A SIMPLES FATO

|21 DE JANEIRO|

O SENTIDO essencial de todas as coisas passou do "paraíso" do mito a "terra" da história. Agindo assim, em parte o sentido esvaziou-se de sua glória, da mesma forma que Cristo se esvaziou da sua para se tornar homem. Essa é a explicação real para o fato de que a teologia, longe de derrotar seus rivais com alguma poesia superior, é menos poética do que eles, num sentido superficial, mas bastante real. É por isso que, no mesmo sentido, o Novo Testamento é menos poético que o Antigo. Quem já não teve na igreja a impressão de que, se a primeira lição é uma passagem importantíssima, a segunda se torna insignificante em relação àquela - parecendo até, por assim dizer, trivial? É isso mesmo que acontece, e é o que tem que acontecer. Essa é a humilhação do mito que se torna fato; do Deus que se torna homem. O que está em todo lugar e sempre, desprovido de imagem e inefável, só podendo ser vislumbrado em sonhos e símbolos e na poesia do ritual realizado, acaba se tornando pequeno, sólido - nem um pouco maior do que um simples ser humano, capar de dormir em um barco no mar da Galileia. Você pode até dizer que isso, em última instância, é uma poesia ainda mais profunda; não vou contrariá-lo. A humilhação leva a uma glória ainda maior. Porém, a humilhação de Deus e o encolhimento ou condensação do mito, quando vem a se tornar fato, também são verdades inegáveis.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

20 de janeiro de 2013

AOS POUCOS, A VERDADE APARECE...

|20 DE JANEIRO|

A TEOLOGIA, ao mesmo tempo que diz que uma revelação especial foi concedida aos cristãos (e antes deles aos judeus), também diz que alguma revelação divina foi concedida a todo ser humano. A luz divina, foi o que nos disseram, "ilumina todo e qualquer ser humano". Devemos, portanto, esperar encontrar na imaginação de grandes professores pagãos e inventores de mitos algum vislumbre desse tema que acreditamos ser a própria trama de toda uma história cósmica - o tema da encarnação, da morte e do renascimento. E as diferenças entre os "Cristos" pagãos (Balder, Osiris, etc.) e o próprio Cristo não são nenhuma novidade. Todas as histórias pagãs falam de alguém que morre e ressuscita - ou todos os anos, ou em um momento e em um local que ninguém sabe. A história cristã trata de um personagem histórico, cuja exceção se situa num momento preciso da história, sob um renomado magistrado romano, e com quem a sociedade por ele fundada se relaciona até os dias de hoje. Não se trata da diferença entre a falsidade e a verdade. Trata-se da diferença entre um fato real e os sonhos ou premonições sobre este mesmo fato. É como observar que algo vai ganhando nitidez e foco aos poucos. Primeiro, a coisa parece pairar solta em meio à neblina do mito e do ritual, vasta e vaga, para depois se condensar, e se concretizar, reduzindo-se, de certa forma, a um evento histórico ocorrido na Palestina no primeiro século.

[C. S. Lewis]
- de The Weight of Glory [Peso de Glória]

19 de janeiro de 2013

VIAJANDO SEM MAPA

|19 DE JANEIRO|

AGORA, a teologia é como um mapa - nada mais é do que aprender e pensar sobre as doutrinas cristãs. Ficar nisso é menos real e menos emocionante do que o que aconteceu com o meu amigo no deserto. As doutrinas não são Deus; elas não passam de uma espécie de mapa. Acontece que esse mapa é baseado na experiência de centenas de pessoas que realmente estiveram em contato com Deus; experiências comparadas com quaisquer emoções ou sentimentos piedosos que você e eu podemos experimentar, por conta própria são muito elementares e confusas. Em segundo lugar, se você quiser chegar mais longe, terá de usar o mapa. Veja bem, o que aconteceu com aquele homem no deserto pode ter sido verdadeiro, e certamente foi empolgante, mas isso não resulta em nada. Não há nada que se possa fazer a respeito. Na verdade, eis aí a razão por que uma religião vaga, relacionada com sentir Deus na natureza e assim por diante, é tão atraente. É só emoção, sem qualquer trabalho; é como observar as ondas do mar a partir da praia. Você jamais chegará a outro continente estudando o oceano Atlântico dessa maneira, e jamais obterá vida eterna simplesmente sentindo a presença de Deus nas flores ou na música. Nem chegará a lugar algum apenas olhando os mapas, sem ir para o mar. Tampouco estará seguro se entrar no mar sem um mapa.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

18 de janeiro de 2013

CONFERÊNCIA ARENAJOVEM #1DECADA


Este ano vamos comemorar 10 ANOS de ARENAJOVEM!

Mais informações aqui!

SURDO!?! hã?


Esta música diz bastante sobre isso. Deixe de ser um superman.

Todos estão surdos? Todos eu não sei, mas muita gente está!

SÓ UM PEDAÇO DE PAPEL COLORIDO?

|18 DE JANEIRO|

LEMBRO-ME de certa vez quando dei uma palestra para a Força Aérea e que um velho e experiente oficial levantou-se e disse: "Não sei qual a utilidade disso tudo. No entanto, veja bem, eu também sou um homem religioso. Sei que há um Deus. Eu o senti quando estava sozinho, no deserto, à noite: um grande mistério. E esta é precisamente a razão por que eu não acredito nos seus dogmas e nas suas fórmulas reducionistas e bem comportadas sobre Deus. Para qualquer um que já o tenha encontrado, tudo isso parece ser tão mesquinho, pedante e irreal!". 
De certa forma, até concordei com aquele homem. Penso que ele deve ter tido alguma experiência real com Deus no deserto. E quando ele voltou dessa experiência para os credos cristãos, acredito que ele voltou de algo real para algo menos real. Da mesma forma que uma pessoa olha da praia para o oceano Atlântico e, depois, olha para o Atlântico no mapa - ela também estará voltando de algo real para um pedaço de papel colorido. Porém, é aí que está o ponto. O mapa é reconhecidamente um pedaço de papel colorido, mas há duas coisas que você deve lembrar. Primeiro, ele é baseado no que milhares de pessoas descobriram navegando o Atlântico de verdade. Dessa forma, um indivíduo tem atrás de si milhares de experiências tão reais quanto a que você poderia ter tido na praia; com a diferença de que, enquanto a sua seria um vislumbre único, o mapa reúne todas as variadas experiências. Segundo, quem está apenas interessado em fazer algumas caminhadas na praia, a visão pessoal é muito mais agradável do que olhar para um mapa. Acontece que o mapa terá mais utilidade do que as caminhadas pela praia se você deseja chegar a outro continente.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

17 de janeiro de 2013

SEMPRE AGORA

|17 DE JANEIRO|

TODA pessoa que acredita em Deus, de uma forma ou de outra, crê que ele sabe o que você e eu faremos amanhã. Porém, se ele sabe que eu agirei de certa forma, como eu poderia ter liberdade de agir de outra maneira? Temos aqui, mais uma vez, a dificuldade de achar que Deus percorre a linha do tempo da mesma maneira que nós, sendo que a única diferença é que ele pode chegar além, enquanto nós não. Bem, se isso fosse verdade, se Deus tivesse previsto para os nossos atos, seria muito difícil entender como poderíamos ter a liberdade de praticá-los ou não. Mas suponha que Deus esteja acima e além do plano temporal. Nesse caso, o que nós chamamos de "amanhã" estaria visível  para ele da mesma forma que o que chamamos de "hoje". Todos os dias são "agora" para Deus. Ele não se lembra do que fizemos ontem, simplesmente nos vê agindo, pois, embora "ontem" já tenha passado para nós, não passou para ele. Deus não prevê o que faremos amanhã, simplesmente nos  agindo, porque embora o dia de amanhã não tenha chegado para nós, para ele está presente. Jamais supomos que nossas ações do presente fossem menos livres simplesmente porque Deus sabe o que estamos fazendo. Ele sabe até o que você vai fazer no futuro, pois já se encontra no "amanhã" e pode simplesmente observar você. De certa forma, Deus não conhece a sua ação enquanto você não a tiver praticado; mas depois, no momento em que você a tiver executado, já é "agora" para ele.

[C. S. Lewis]
- de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]


16 de janeiro de 2013

NOSSAS TRÊS POSSÍVEIS RESPOSTAS PARA DEUS

|16 DE JANEIRO|


NÃO É simplesmente porque Deus arbitrariamente nos fez de tal forma que ele é o nosso único bem. Na verdade Deus é o único bem de todas as criaturas. E, por necessidade, cada uma delas precisa achar o seu bem naquele tipo e grau de fruição de Deus que é próprio da natureza. O tipo e o grau podem variar de acordo com a natureza da criatura, mas a ideia de que pudesse haver algum outro bem é um ilusão ateísta. George Macdonald, em um trecho que não consigo encontrar agora, representa Deus falando ao ser humano: "Você precisa ser forte pela minha força e abençoado por minha benção, pois nada tenho além disso para lhe dar". Eis aí a conclusão da história toda. Deus dá o que ele tem, e não o que não tem. Ele oferece a alegria que existe, e não uma alegria inexistente. Ser Deus, ser à sua semelhança (compartilhando e respondendo à sua bondade na condição de criatura), ou ser miserável - são as únicas três alternativas. Se nos recusarmos a comer o único alimento que cresce no universo -o único alimento que qualquer universo jamais poderia oferecer - seremos obrigados a continuar eternamente famintos.


[C. S. Lewis]
- de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

15 de janeiro de 2013

NOSSA ATIVIDADE MAIS NOBRE


|15 DE JANEIRO|

SE O MUNDO existe não para que amemos a Deus, mas principalmente para que ele nos ame, ainda assim, isso acontece, num nível mais profundo, por nossa causa. Se ele, que existe em si mesmo e não precisa de nada, opta por precisar de nós, é porque precisamos que precisem de nós. Antes e por trás de todos os relacionamentos de Deus para com o homem, conforme aprendemos no cristianismo, existe um ato divino de pura doação – a eleição do ser humano, a partir da não-existência, para tornar-se o amado de Deus, e portanto (em certo sentido) o necessário e desejado de Deus, que para esse ato não precisa e não deseja nada, já que ele eternamente tem, e é, toda a bondade. E esse ato é por nossa causa. É bom conhecermos o amor; e melhor ainda é conhecer o melhor objeto de amor: Deus. Porém, conhecer esse amor como se nós fôssemos primariamente os selecionadores, e Deus o selecionado, como se nós o procurássemos e ele fosse encontrado, em que a adequação dele às nossas necessidades, e não a nossa as dele, viesse primeiro, seria conhecê-lo de uma forma falsa de acordo com a própria natureza das coisas. Não passamos de criaturas; nosso papel tem de ser sempre o do paciente para o agente, da fêmea para o macho, do espelho para a luz, do eco para a voz. Nossa atividade mais nobre deve ser a de resposta e não de iniciativa. Experimentar o amor de Deus de uma forma verdadeira e não ilusória é, portanto, experimentá-lo como uma entrega às suas exigências; nossa conformidade para com o seu desejo. A experiência contrária significa, por assim dizer, um atentado contra a gramática do ser.

[C. S. Lewis]
– de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

14 de janeiro de 2013

VISÕES OFUSCADAS DE DEUS


|14 DE JANEIRO|

TRATANDO-SE de conhecer a Deus, a iniciativa veio da parte dele. Se ele não se mostra, não há nada que você possa fazer para encontrá-lo. E, de fato, ele se revela muito mais a certas pessoas do que a outras, não porque tenha favoritos, mas porque é impossível que ele se mostre a um ser humano cuja mente e caráter estão em péssimas condições. É como a luz do sol que, embora não tenha preferências, não consegue refletir-se num espelho sujo de forma tão clara quanto num espelho limpo. Você pode colocar isso de outra forma dizendo que, enquanto em outras ciências os instrumentos são coisas externas a você mesmo (como microscópios e telescópios), o instrumento por meio do qual você vê a Deus é seu próprio ser. E se esse “ser” não for mantido limpo e luminoso, sua visão de Deus ficará obscurecida – à semelhança da lua vista por um telescópio sujo. Eis por que nações horríveis têm religiões horríveis: elas sempre olharam para Deus com lentes sujas.

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

13 de janeiro de 2013

GUERRA NOS CÉUS


|13 DE JANEIRO|

Cartas do Diabo a seu Aprendiz apresenta uma troca ficcional de correspondências entre um tentador sênior, Screwtape, e seu protegido, Wormwood. Nesta carta, Screwtape tenta esclarecer a grande rixa entre o Inimigo (Deus), e o “Pai” de todos os tentadores, Satã. Esta história tem que ser lida do ponto do outro ponto de vista.


O QUE ele pretende fazer dos homens? Eis a grande questão. Imagino que não faça mal algum dizer-lhe que havia sido essa a causa principal da rixa do Nosso Pai com o Inimigo. Quando a criação do homem foi cogitada pela primeira vez e quando, já naquele estágio, o Inimigo confessou livremente que ele previa um certo episódio sobre uma cruz, Nosso Pai, com toda a naturalidade, marcou uma entrevista, solicitando-lhe explicações. O Inimigo não deu resposta; apenas contou o conto da carochinha sobre o amor desinteressado que ele estaria pondo em circulação desde então. É claro que isso era inadmissível para o Nosso Pai. Satã implorou que o Inimigo colocasse as suas cartas na mesa e lhe deu todas as oportunidades para tanto. Ele admitiu que se sentia realmente ansioso para conhecer o segredo, e o Inimigo respondeu: “Eu queria, de todo o coração, que você fizesse isso mesmo”. Acho que foi nesse ponto da entrevista que o desgosto de nosso pai, diante de tamanha desconfiança gratuita, fez com que ele se afastasse a uma distância infinita da presença e de forma tão repentina que acabou provocando o surgimento daquela história ridícula do Inimigo, de que Nosso Pai foi expulso do céu a força. Desde então, começamos a perceber por que nosso Opressor estava tão cheio de segredos. O seu trono depende desse segredo. Membros da sua facção já admitiram que, se algum dia compreendermos o que ele quer dizer por amor, a guerra acabará e nós estaremos convidados a entrar novamente nos céus. E é aí que se encontra a grande tarefa. Sabemos que Deus não sabe amar de verdade; ninguém sabe. Isso não faz sentido. Se ao menos fôssemos capazes de descobrir o que ele está realmente tramando!

[C. S. Lewis]
– de The Screwtape Letters [Cartas do Diabo a seu Aprendiz]

12 de janeiro de 2013

QUE AMOR É ESSE?


|12 DE JANEIRO|

QUANDO o cristianismo diz que Deus ama o ser humano, isso quer dizer que Deus realmente ama o ser humano; não que ele tenha alguma preocupação “desinteressada” e totalmente indiferente com nosso bem-estar. A verdade mais terrível e surpreendente é que nós somos os objetos do seu amor. Você queria um Deus amoroso: aí está ele. O grande espírito que você invocou com tanta sensibilidade, o “senhor de aspecto terrível”, existe mesmo. Não como um velho bondoso e solene, desejoso de que você seja feliz à sua própria maneira; nem como a filantropia fria de um magistrado consciente; tampouco como um anfitrião que se sente responsável pelo conforto dos seus convidados. Trata-se do próprio fogo consumidor: o amor que criou o mundo, persistente como o amor de um artista por sua obra e autoritário como o amor de um homem por seu cachorro, providente e venerável como o amor de um pai por seu filho, ciumento, inexorável e exigente como o amor entre os amantes. Como isso deve acontecer, eu não sei. A razão por que qualquer criatura, ainda mais criaturas como nós, tem um valor assim tão prodigioso aos olhos do Criador extrapola nossa capacidade racional. Trata-se certamente de um fardo ou peso de glória que não vai apenas além dos nossos desertos, mas, salvo raros momentos de graça, além dos nossos desejos. Temos a mesma tendência das senhoras daquela peça antiga que desaprovaram o amor de Zeus. Mas o fato parece inquestionável.

[C. S. Lewis]
– de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

11 de janeiro de 2013

MUITO MAIS DO QUE MERA BONDADE


|11 DE JANEIRO|

HÁ BONDADE no amor; mas amor e bondade não são sinônimos; e quando a bondade (no sentido de que estávamos falando) é separada dos demais elementos do amor, ela envolve certa indiferença em relação ao objeto da sua benevolência, ou até mesmo certo conformismo em relação a ele. A bondade consente de forma bastante rápida com a remoção do seu objeto – todos nós já encontramos pessoas cuja bondade em relação aos animais as leva a matá-los para evitar que sofram. A bondade pura e simples não se importa se seu objeto vem a ser bom ou mau, contanto que ele escape do sofrimento. De acordo com as Escrituras, são os bastardos que são mimados; os filhos legítimos, que têm a incumbência de levar adiante a tradição da família, acabam sendo disciplinados (Hb 12.8). É para as pessoas com as quais não nos importamos nem um pouco que pedimos felicidade incondicional. Porém, quando se trata dos nossos amigos, cônjuges, namorados e filhos, somos exigentes e preferimos vê-los sofrendo do que vivendo uma felicidade conformada e alienante. Se Deus é amor, ele é, por definição, algo mais do que simples bondade. E parece, a julgar pelos registros, que apesar de Deus ter nos repreendido e condenado tantas vezes, ele jamais se referiu a nós com desprezo. Ele nos recompensou com a extravagante benevolência de seu amor por nós, no sentido mais profundo, mais trágico, mais inexorável. 

[C. S. Lewis]
– de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

10 de janeiro de 2013

ATÉ QUE FOI DIVERTIDO


|10 DE JANEIRO|

O QUE ENTENDEMOS hoje por bondade de Deus é quase que exclusivamente sua capacidade de amar; e nisto podemos até estar certos. A maioria de nós entende, nesse contexto, amor como bondade – um desejo de ver os outros felizes, e não apenas nós; felizes não por isso ou aquilo, mas simplesmente felizes. O que nos satisfaria realmente seria um Deus que dissesse, sobre qualquer coisa que nos acontecesse: “O que me importa desde que eles fiquem satisfeitos?”. O que desejamos, de fato, não é bem um pai no céu, mas um avô no céu – uma benevolência senil que, como eles dizem, “gosta de ver os jovens se divertindo”, e para quem o plano para o universo fosse simplesmente dizer ao fim de cada dia: “Tudo isso foi divertido para todos nós”. Admito que, não são muitas as pessoas, que formulariam uma teologia em termos tão precisos; mas uma concepção não muito diferente desta se oculta no inconsciente de várias mentes. Não pretendo ser uma exceção. Gostaria muito de viver num universo governado por princípios como esse. Porém, como está mais do que claro que não vivo, e já que tenho razões para acreditar que Deus é amor, apesar disso tudo, concluo que a minha concepção de amor necessita de correção.

[C. S. Lewis]
– de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]

9 de janeiro de 2013

QUEM É ELE?


|9 DE JANEIRO|

TEMOS dois tipos de evidência de que de fato existe alguém [por trás da lei moral]. Uma é o universo que ele criou. Se nós o usássemos como única pista, teríamos de concluir que Deus é um grande artista (pois o universo é um lugar muito bonito) e, também, que é cruel e pouco amigo do homem (já que o universo é um lugar bastante perigoso e assustador). A outra evidência sutil é a lei moral que ele colocou dentro de nós. E essa evidência é maior do que a primeira, porque é uma informação interna. Você descobrirá mais sobre Deus observando a lei moral do que o universo em geral, da mesma forma como você descobre mais sobre uma pessoa ouvindo o que ela diz do que observando a casa que ela está construindo.

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

8 de janeiro de 2013

CELEBRAÇÕES DE VERÃO 2013

CELEBRAÇÕES DE VERÃO 2013 - Faça sua inscrição

Sexta-feira (11/01/13) começa a
CELEBRAÇÃO DE VERÃO 2013

Faça sua inscrição com seu líder direto.

Para o Revolution a inscrição custará R$ 35,00.
O que venderam água no sinal já está com sua inscrição paga!




Para as CELEBRAÇÕES DE INVERNO faltam

ALGO MAIS ALÉM


|8 DE JANEIRO|

PENSO que todos os cristãos concordariam comigo se eu dissesse que, embora o cristianismo pareça em princípio inteiramente dedicado à moral, aos deveres e regras, culpa e virtudes, ele vai muito além, para algo transcendente. Todos nós vislumbramos um país onde não se fala sobre fatos como a corrupção e a maldade, a não ser, quem sabe, de brincadeira. Todos nesse lugar estão cheios do que podemos chamar de bondade, da mesma forma que um espelho se enche de luz. Porém, ninguém a chama de bondade. As pessoas nem sequer a percebem. Não a chamam de nada. Estão ocupadas demais, tentando achar a fonte de onde ela vem. No entanto, este é um estágio em que a estrada ultrapassa as margens do nosso mundo. Os olhos de uma pessoa não podem enxergar muito além disso: muitos olhos podem ver melhor do que os meus.

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

7 de janeiro de 2013

TREMENDA BOBAGEM


|7 DE JANEIRO|

SE VOCÊ não leva muito a sério a distinção entre o bem e o mal, será fácil dizer que tudo que encontrar nesse mundo vem da parte de Deus. Porém, é claro que, se você considerar certas coisas realmente erradas, e acreditar que Deus é, de fato, bom, então não poderá falar assim. Você tem de acreditar que Deus vive separado do mundo e que certas coisas que vemos por aí são contrárias à sua vontade. Ao confrontar-se com um câncer ou uma favela, o panteísta poderia dizer: “Se você ao menos conseguisse enxergar tudo do ponto de vista divino, certamente entenderia que isso também é de Deus”. E o cristão responderia: “Não diga bobagem!”, pois o cristianismo é uma religião de luta. Ele defende que Deus criou o mundo, o espaço e o tempo, o calor e o frio, as cores e os sabores, os animais e os vegetais; tudo são coisas que Deus “tirou da cabeça”, exatamente como faz alguém que inventa histórias. Porém, o cristianismo também entende que grande parte das coisas desse mundo que Deus fez foram corrompidas, e que ele insiste, de forma bastante enfática, que restauremos as coisas novamente.

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

6 de janeiro de 2013

UMA TEOLOGIA PRAZEROSA


UMA razão por que muitas pessoas acham a teoria da evolução tão atraente é que ela nos proporciona o grande consolo emocional de acreditar em um Deus sem termos de assumir nenhuma consequência. Quando você se sente disposto e o sol brilha, e você não quer acreditar que o universo todo não passa de uma mera dança mecânica de átomos, é bom ser capaz de pensar nessa grande força misteriosa como uma onda gigantesca que se move através dos séculos, carregando você em sua crista. Se, por outro lado, você estiver propenso a fazer algo vergonhoso, a Força Vital, que não passa de uma energia cega, amoral e desprovida de mente, jamais irá interferir em sua vida da mesma forma como faz aquele Deus terrível, do qual ouvimos falar na infância. A Força Vital é uma espécie de Deus domesticado. Podemos acioná-la quando bem entendemos, desde que ela não interfira em nossas vidas. Podemos, assim, usufruir de todas as emoções da religião, sem nenhum custo. Seria essa Força Vital a maior expressão de falsa esperança que o mundo já viu?

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

5 de janeiro de 2013

INIMIGOS DA BONDADE


|5 DE JANEIRO|

É QUASE desnecessário dizer que, se existe um Deus assim – uma bondade absoluta impessoal –, você não gosta dele e também não se importará com ele. O problema é que uma parte de você está do lado dele, e realmente concorda com o protesto contra a ganância, enganação e exploração. Você poderá até querer que ele abra uma exceção no seu caso, que lhe dê uma chance só dessa vez; mas saberá no fundo, que se ele fizer isso, então não pode ser bom, porque esse poder que está por trás do mundo real detesta esse tipo de comportamento. Por outro lado, sabemos que, se existe alguma bondade absoluta, então todos os nossos esforços ao longo do processo são desesperados. Porém, se ela existir, tornamo-nos inimigos dessa bondade todos os dias, e não temos muita chance de agir melhor amanhã; e assim, mais uma vez, nossa situação vira um caso desesperador. Não podemos viver sem a bondade, mas também não podemos conviver com ela. Deus é o único consolo, ao mesmo tempo em que é o terror supremo: é de quem mais precisamos e de quem mais queremos nos esconder. Ele é o nosso único aliado possível, e nós nos fizemos seus inimigos. Há pessoas que falam de Deus como se seu olhar fixo fosse divertido. Elas precisam repensar seu comportamento, pois isso é sinal de que não estão fazendo nada mais do que brincar de religião. Dependendo da nossa atitude, a bondade pode significar uma incrível segurança ou um grande perigo. E temos assumido a atitude errada.

[C. S. Lewis]
– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

4 de janeiro de 2013

PROVE E VEJA


|4 DE JANEIRO|

A AFIRMAÇÃO cristã de que só quem faz a vontade do Pai conhecerá a verdadeira doutrina é filosoficamente precisa. A imaginação pode nos ajudar um pouco, mas na vida moral e devocional (mais ainda) tocamos em algo concreto que começará imediatamente a corrigir o vazio crescente da nossa ideia de Deus. Um só momento de sensibilidade contrita ou de gratidão poderá nos tirar, de certa forma, do abismo da abstração. É a própria razão que nos ensina a não confiarmos somente nela nesta questão, pois reconhece que não pode trabalhar sem a matéria. Quando se torna claro que você não pode descobrir, por meio do raciocínio, se o gato está ou não no armário, a própria razão lhe sussurra: “Vá lá e veja. Esse não é um trabalho meu. É uma questão para os sentidos”. Ou seja, a matéria para corrigir nossa concepção abstrata de Deus não pode ser fornecida pela razão; ela será a primeira a mandá-lo fazer a experiência: “Prove e veja!”. É claro que ela já terá mais do que provado que o seu posicionamento atual é absurdo. Enquanto permanecermos como caramujos eruditos, poderemos esquecer que, se ninguém jamais tivesse visto mais de Deus do que nós, não teríamos razões sequer para acreditar que Ele seja imaterial, imutável, impassível e tudo mais. Até aquele conhecimento negativo que nos parecia tão razoável não passará de uma relíquia que sobrou do conhecimento positivo de pessoas melhores – não passará de marcas que uma onda gigante celestial deixou na areia, depois de ter batido em retirada.

[C. S. Lewis]
– de Miracles [Milagres]

3 de janeiro de 2013

NÃO NUA, E SIM COM UMA ROUPA NOVA


|3 DE JANEIRO|

NOSSA própria situação é bem parecida com a dos caramujos eruditos. Grandes profetas e santos têm uma intuição com relação a Deus que é positiva e concreta. Pois, de tocar as vestes do seu ser, eles foram capazes de vislumbrar que ele é a plenitude da vida, da energia e da alegria. E por isso (e por nenhum outro motivo) eles têm de anunciar que Ele transcende aquelas limitações que chamamos de personalidade, paixão, mudança, materialidade e coisas do gênero. A qualidade positiva que há nEle, que ultrapassa as limitações, é a única razão para tantas negativas.
Mas quando, titubeando, chegamos em seguida e tentamos construir uma religião intelectual ou “iluminada”, o resultado é que pegamos essas negativas (infinito, imaterial, impassivo, imutável etc.) e as usamos sem temperá-las com a intuição positiva.
A cada passo do processo excluímos da nossa ideia de Deus algum atributo humano. A única razão para se jogar fora atributos humanos é criar espaço no qual colocaríamos algum atributo divino positivo. Na linguagem do apóstolo Paulo, o propósito deste despir não é deixar nossa ideia de Deus nua, mas fazer com que ela seja revestida. Infelizmente, não temos meios para realizar este revestimento. Assim que removemos da nossa ideia de Deus características elementares dos seres humanos, nós (meros investigadores inteligentes e eruditos) não temos onde buscar aquele atributo da divindade incrivelmente real e concreto que deve ser colocado no lugar do atributo humano removido.
Assim, a cada passo no processo de refinamento, nossa ideia de Deus vai sendo esvaziada, e imagens fatais começam a aparecer (um mar infinito,silencioso, um céu límpido além das estrelas, uma abóbada branca e radiante), levando-nos a um grande vazio, à adoração de uma entidade não existente.

[C. S. Lewis]
– de Miracles [Milagres]