1 de outubro de 2013

VISÃO EMBAÇADA

|1 DE OUTUBRO|

Lewis lamenta a morte de sua esposa, Joy

POR QUE ninguém nunca me falou sobre isso? Com que facilidade eu já não devo ter julgado outra pessoa na mesma situação? Posso ter dito "Ele já superou isso; já deve ter esquecido a esposa", quando a verdade é que "ele se lembra mais dela porque já superou parcialmente isso".
Era esse o fato. E acredito que isso faz sentido até mesmo para mim. Você não é capaz de enxergar nada direito enquanto os seus olhos estiverem embaçados com lágrimas. Na maioria dos casos, você não poderá alcançar o que quer se o desejar de forma desesperada demais; de forma alguma você será capaz de extrair o que há de melhor. Dizer "Então, vamos ter uma conversa sobre isso agora mesmo!" reduz qualquer um ao silêncio. Dizer "hoje eu tenho que dormir bem" acaba provocando horas de insônia. Uma sede muito voraz estraga o gosto das mais refinadas bebidas. Será que, de forma semelhante, é a intensidade do desejo que baixa uma cortina de ferro, que nos faz sentir como se estivéssemos de olhos fixos no nada, quando pensamos em nossos mortos? Os que pedem (pelo menos de forma muito inconveniente) não recebem. Talvez eles não possam receber.
E quem sabe, o mesmo aconteça com Deus. Comecei a sentir, gradualmente, como se a porta não estivesse mais fechada e trancada. Será que foi a minha própria necessidade frenética que a bateu na minha cara? Quando se chega a um ponto em que não existe absolutamente nada mais na sua alma, a não ser um grito por ajuda, quem sabe tenha chegado a hora em que Deus já não pode atendê-lo; você é como um homem que está se afogando e que não pode ser ajudado, porque se debate e se agarra violentamente à primeira coisa que encontra pela frente. Talvez os seus próprios gritos repetidos tenham lhe deixado surdo para a voz que esperava ouvir.

[C. S. Lewis]
- de A Grief Observed [A Anatomia de Uma Dor]

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